Na quinta feira, dei aula a manhã toda. Era a segunda aula do semestre com a turma ingressante no curso de licenciatura em artes visuais. Uma turma grande, plural, cuja interlocução me estimulava. Tínhamos um percurso a cumprir juntos, na disciplina Fundamentos da Arte na Educação.
Mas já havia uma expectativa no ar, relativa à pandemia, em
curso. Ninguém tinha uma ideia do que aconteceria a seguir. Ainda não se tem. Acho
que nunca se terá.
Na parte da tarde, ainda na universidade, encontrei alguns
orientandos e orientandas. Conversei com uma professora que participava de um
projeto comigo. Dei vários encaminhamentos que ganharam feições de preparação
para o extraordinário, ainda que não fosse essa a intenção.
Maria me procurou. Tínhamos agendado uma reunião de
orientação para a segunda feira seguinte. Desmarcamos, pois a universidade já
tinha acenado para a suspensão das atividades a partir da semana próxima. Aguardaríamos
os desdobramentos, para agendar novo encontro.
No final da tarde, saí à porta da faculdade. Avistei a
cidade, ao longe, sob o sol morno daqueles que ainda eram dias de verão. Na
mata, ao lado, a bicharada fazia algazarra. Despedi-me das pessoas que também cumpriam
suas jornadas por ali. Alguns cachorros espreguiçavam nas calçadas. O carro
saiu aos solavancos no trecho de terra que liga o edifício à rua de acesso.
Levava a expectativa a respeito do que se abateria sobre
nós. Não era possível supor. Desde então, não retornei à faculdade. Alguns dias
depois daquela quinta feira, teve início o Outono. Falava-se, então, que a
suspensão das aulas iria até o final do primeiro semestre. Parecia muito. Mas o
tempo correu mais rapidamente do que se supunha. E levou, consigo, um número
cada vez mais crescente de vítimas da COVID-19. Os prazos foram se alargando
progressivamente. Algumas atividades acadêmicas foram sendo retomadas,
buscando-se alternativas em suas formas e dinâmicas. Outras atividades não tiveram
interrupção.
E veio o inverno. A universidade acabou retomando as
atividades quase que plenamente, no segundo semestre. Com as atividades
remotas, o calor insuportável, a baixa umidade, as aulas da graduação foram
retomadas. A turma com que eu estivera naquela quinta feira quando ainda era
verão retomou as aulas, agora com outras dinâmicas. Muitas pessoas desistiram de
estudar neste momento. Foram muitas as perdas. Mas também se conquistou a
possibilidade de cumprir a jornada até o final, apesar das dores, com quem tenha
conseguido reunir forças, energia e determinação suficientes para não desistir.
Aulas, reuniões, bancas, orientação, encontros, eventos,
seminários, cursos, oficinas, eleições, tudo, tudo, tudo migrou para os
ambientes digitais. Rapidamente, os écrans tomaram conta do quotidiano, numa
infinidade de links, sobreposições de agendas, regras de conduta, interlocuções
de toda natureza.
A Primavera nos encontrou exaustos. E continuamos exaustos
até que chegamos novamente ao Verão. No segundo dia da nova estação, tomou
posse a diretoria da Faculdade de Artes Visuais, para cumprir nova gestão de
quatro anos. O diretor, reconduzido para o cargo, se investe de sensibilidade e
coragem para essa travessia com desafios extras cujas dimensões ainda não podemos
mensurar. O vice-diretor, jovem, com carreira iniciante, se lança à empreitada,
evocando o espírito de colaboração, com garra e coragem.
Daqui a dois dias, será véspera de Natal. Uma semana depois
se iniciará a contagem dos dias de um novo calendário, referente ao ano 2021 da
era cristã. Ainda estamos em pandemia. Nossas atividades acadêmicas e escolares
presenciais ainda estão em suspenso. Mas o funcionamento da universidade
prossegue, a pleno vapor. Intenso.
Noutro dia, soube que aumentou o número de família das
corujas buraqueiras no Campus II. Queria saber também sobre as outras famílias,
dos quero-queros, dos pica-paus, das curicacas... e dos pés de jacarandá
mimoso, de ipê, de flamboyant... E como andariam os macacos-prego? Os cães
continuam guardando o prédio da faculdade. Ainda bem!
Nesses tempos, fortaleceram-se alguns vínculos com pessoas
de outros países. Vamos nos descobrindo, aprendendo a compartilhar inquietações
e sonhos. Não, não estamos sós, embora também estejamos. Penso nas e nos
estudantes que iniciaram o curso duas semanas antes da suspensão das atividades
presenciais. Teria ficado feliz se quem desistiu tivesse condições de permanecer,
ou de voltar. Penso nos meus orientandos, nas minhas orientandas; nas
professoras e nos professores parceiros; nas parcerias de pesquisa, naquelas
pessoas que não abandonaram as trincheiras.
Rapidamente, nos aproximamos, no Brasil, da marca dos 200.000 mortos pela COVID-19.
Além do corolário de mortes, o Verão trouxe as chuvas, e manteve o calor. Traçamos planos para o futuro, mas já não para futuros distantes. Mesmo dos
futuros próximos já não conseguimos ter mínimas certezas. Tememos. O que planejar para o próximo
Outono? Que estejamos vivos, talvez. Que possamos nos reencontrar depois do próximo
Inverno, quem sabe? Melhor ater os projetos na possibilidade de celebrar
este dia, agora, esta luz diáfana, o frescor deste vento, as sonoridades que se
dissipam no espaço... os afetos que aquecem o coração.
E então novamente é Verão! E então é Natal mais uma vez!
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