terça-feira, 22 de dezembro de 2020

E então novamente é Verão. E então é Natal mais uma vez.


Na quinta feira, dei aula a manhã toda. Era a segunda aula do semestre com a turma ingressante no curso de licenciatura em artes visuais. Uma turma grande, plural, cuja interlocução me estimulava. Tínhamos um percurso a cumprir juntos, na disciplina Fundamentos da Arte na Educação.

Mas já havia uma expectativa no ar, relativa à pandemia, em curso. Ninguém tinha uma ideia do que aconteceria a seguir. Ainda não se tem. Acho que nunca se terá.

Na parte da tarde, ainda na universidade, encontrei alguns orientandos e orientandas. Conversei com uma professora que participava de um projeto comigo. Dei vários encaminhamentos que ganharam feições de preparação para o extraordinário, ainda que não fosse essa a intenção.

Maria me procurou. Tínhamos agendado uma reunião de orientação para a segunda feira seguinte. Desmarcamos, pois a universidade já tinha acenado para a suspensão das atividades a partir da semana próxima. Aguardaríamos os desdobramentos, para agendar novo encontro.

No final da tarde, saí à porta da faculdade. Avistei a cidade, ao longe, sob o sol morno daqueles que ainda eram dias de verão. Na mata, ao lado, a bicharada fazia algazarra. Despedi-me das pessoas que também cumpriam suas jornadas por ali. Alguns cachorros espreguiçavam nas calçadas. O carro saiu aos solavancos no trecho de terra que liga o edifício à rua de acesso.

Levava a expectativa a respeito do que se abateria sobre nós. Não era possível supor. Desde então, não retornei à faculdade. Alguns dias depois daquela quinta feira, teve início o Outono. Falava-se, então, que a suspensão das aulas iria até o final do primeiro semestre. Parecia muito. Mas o tempo correu mais rapidamente do que se supunha. E levou, consigo, um número cada vez mais crescente de vítimas da COVID-19. Os prazos foram se alargando progressivamente. Algumas atividades acadêmicas foram sendo retomadas, buscando-se alternativas em suas formas e dinâmicas. Outras atividades não tiveram interrupção.

E veio o inverno. A universidade acabou retomando as atividades quase que plenamente, no segundo semestre. Com as atividades remotas, o calor insuportável, a baixa umidade, as aulas da graduação foram retomadas. A turma com que eu estivera naquela quinta feira quando ainda era verão retomou as aulas, agora com outras dinâmicas. Muitas pessoas desistiram de estudar neste momento. Foram muitas as perdas. Mas também se conquistou a possibilidade de cumprir a jornada até o final, apesar das dores, com quem tenha conseguido reunir forças, energia e determinação suficientes para não desistir.

Aulas, reuniões, bancas, orientação, encontros, eventos, seminários, cursos, oficinas, eleições, tudo, tudo, tudo migrou para os ambientes digitais. Rapidamente, os écrans tomaram conta do quotidiano, numa infinidade de links, sobreposições de agendas, regras de conduta, interlocuções de toda natureza.

A Primavera nos encontrou exaustos. E continuamos exaustos até que chegamos novamente ao Verão. No segundo dia da nova estação, tomou posse a diretoria da Faculdade de Artes Visuais, para cumprir nova gestão de quatro anos. O diretor, reconduzido para o cargo, se investe de sensibilidade e coragem para essa travessia com desafios extras cujas dimensões ainda não podemos mensurar. O vice-diretor, jovem, com carreira iniciante, se lança à empreitada, evocando o espírito de colaboração, com garra e coragem.

Daqui a dois dias, será véspera de Natal. Uma semana depois se iniciará a contagem dos dias de um novo calendário, referente ao ano 2021 da era cristã. Ainda estamos em pandemia. Nossas atividades acadêmicas e escolares presenciais ainda estão em suspenso. Mas o funcionamento da universidade prossegue, a pleno vapor. Intenso.

Noutro dia, soube que aumentou o número de família das corujas buraqueiras no Campus II. Queria saber também sobre as outras famílias, dos quero-queros, dos pica-paus, das curicacas... e dos pés de jacarandá mimoso, de ipê, de flamboyant... E como andariam os macacos-prego? Os cães continuam guardando o prédio da faculdade. Ainda bem!

Nesses tempos, fortaleceram-se alguns vínculos com pessoas de outros países. Vamos nos descobrindo, aprendendo a compartilhar inquietações e sonhos. Não, não estamos sós, embora também estejamos. Penso nas e nos estudantes que iniciaram o curso duas semanas antes da suspensão das atividades presenciais. Teria ficado feliz se quem desistiu tivesse condições de permanecer, ou de voltar. Penso nos meus orientandos, nas minhas orientandas; nas professoras e nos professores parceiros; nas parcerias de pesquisa, naquelas pessoas que não abandonaram as trincheiras.

Rapidamente, nos aproximamos, no Brasil, da marca dos 200.000 mortos pela COVID-19.

Além do corolário de mortes, o Verão trouxe as chuvas, e manteve o calor. Traçamos planos para o futuro, mas já não para futuros distantes. Mesmo dos futuros próximos já não conseguimos ter mínimas certezas. Tememos. O que planejar para o próximo Outono? Que estejamos vivos, talvez. Que possamos nos reencontrar depois do próximo Inverno, quem sabe? Melhor ater os projetos na possibilidade de celebrar este dia, agora, esta luz diáfana, o frescor deste vento, as sonoridades que se dissipam no espaço... os afetos que aquecem o coração.

E então novamente é Verão! E então é Natal mais uma vez!

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário