segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

III Guerra Mundial


De saída, devo informar que não me sinto confortável com a expressão “guerra mundial”, se pensamos em abrangência planetária, envolvendo embates entre a espécie humana (ainda que tais embates repercutam mortalmente entre outras espécies de vida). Não cabe a uma guerra entre humanos a alcunha de mundial... 

Mas, vamos lá: não é de hoje que os medos sobressaltam pessoas nos cinco continentes, com a possibilidade de que se inicie a III Guerra Mundial, quando os traumas e as sequelas causadas pelas I e II Guerras ainda não foram totalmente sanadas. Como seria a III edição da guerra? Qual seria o seu disparo? Quais as armas?

Suspeito que, presa a imaginação a modelos anteriores de guerra, não se tenha percebido que há estamos imersos na III Guerra Mundial em pleno curso.

Mulheres são mortas em crimes horrendos de feminicídio em escala crescente, a despeito de legislações, mobilizações, pedidos de socorro.

Populações negras são assassinadas nas periferias das cidades, em atos crescentes de desprezo às suas existências.

Comunidades indígenas vêm sendo eliminadas, apagadas, no continente americano desde a chegada dos europeus.

Populações e etnias de quantos países não têm direito de voltar a suas casas, em confrontos bélicos, mas também religiosos, que se estendem à violência contra mulheres, contra orientações sexuais não dominantes, racismos e processos de escravização de toda ordem. A morte é só uma das etapas de sua desterritorialização radical, de sua dor, do castigo que que é impingido pelo crime que cometem por viverem.

E o Corona Vírus 19 comparece dando celeridade a uma guerra já em curso, manifestada em múltiplas faces e feições.

As duas primeiras guerras configuraram-se entre estados-nação. Ao final do século XX, falou-se tanto sobre o enfraquecimento dos estados-nação ante os processos de radicalização da economia global, e ante o poder do capital multinacional. Por que haveríamos de esperar, então, uma guerra entre estados-nação, e não uma guerra que, embora pautada e supostamente performada por estados-nação, seja regida, de fato, pelo capital, que não reconhece outras fronteiras geopolíticas que não as de seus próprios ativos?

O capital avança sobre as mulheres, os pretos, os pobres, os índios, as florestas, o deserto, o gelo, os elefantes, os tigres, as onças pintadas, as águas, os peixes, os outros, os diferentes, os não sabidos, os estranhos... seu rastro é de morte. Devem morrer, mas é preciso que não morram todos, para assegurar a manutenção de mão de obra, de populações para serem escravizadas, de mulheres para a reprodução e para serem estupradas, violadas...

Sim, estamos em plena vigência de uma guerra que envolve os estados-nação regida pelo capital. Os cadáveres se acumulam por todas as partes. A dor me atravessa o peito e já quase não consigo respirar. Os mortos não são apenas vítimas da COVID-19. Ao contrário. A pandemia é apenas mais um vetor.


 

PS.: A propósito, é preciso admitir: o Corona Vírus é uma substância viva altamente inteligente. Rapidamente tem se adaptado ao comportamento da espécie humana, reconhecendo nossa insanidade e beligerância, e jogando com elas. Talvez, hoje, o Corona Vírus conheça mais do nosso comportamento do que nós mesmos.

 




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