sexta-feira, 8 de maio de 2020

Dos que habitam esta casa, e sobre um filhote de lagartixa, mais especificamente.




Em fala comum, recorrente, eu diria que sou dona desta casa. "A minha casa" é uma expressão que traduz bem esse sentimento de posse e pertencimento. Ela foi adquirida há pouco mais de 13 anos, desde quando eu a habito. Sou portanto, sua proprietária...

Quanto engano, o meu!

Uma miríade de vidas habita estes aposentos. Algumas passíveis de serem percebidas pela minha visão, quantas outras não! Podemos pensar sobre essas vidas por escalas. Comecemos pelas plantas, muitas das quais eu sou a responsável pelo plantio, mas várias outras vieram sem serem trazidas por mim. Embora, em escala de percepção imediata ao olhar eu possa dizer que são facilmente constatáveis, seu comportamento não, conquanto observem outras escalas temporais. Ou seja, seus movimentos, suas reações seus avanços e recuos não são facilmente observáveis na medida em que exijam outra noção de ciclos temporais. Estão ali, e eu as vejo. Só que não...

Já entre elas, miríades de pequenos seres coabitam, entre os galhos, as terras, os vasos, as flores: desde formigas e pequenos seres voejantes, até os micro-organismos inalcançáveis à minha visão. E eu nem saí da varanda...

Pela casa adentro, mais minúsculas formigas coabitam a casa, mesmo quando eu julgue tê-las extinguido. Pequenos besouros, borboletinhas, insetos de toda sorte, além de mais miríades de micro-organismos... tão ou mais proprietários destes territórios do que eu...

E as lagartixas domésticas constituem um caso à parte. Desde que aqui cheguei, já nem sei com quantas gerações delas terei compartilhado os aposentos, principalmente da sala e biblioteca. Vez ou outra, em períodos razoavelmente espaçados para a minha escala de tempo, deparo-me com uma delas, que foge, assustada. Em tempos de pandemia e distanciamento social, suponho que estejam incomodadas com nossa presença ininterrupta na casa. Perderam, em muito, a possibilidade de circular sem maiores riscos.

Sim, sempre há riscos... O convívio nem sempre é amigável, com consequências diversas, seja para as demais formas de vida, seja para as formas de vida da espécie humana...

Ainda ontem, entrei no sanitário, à noite. Quando acendi a luz, percebi o pequenino ser próximo à porta. Era um filhotinho de lagartixa. Como não fugia à minha presença, cheguei mais perto para observar. Eu esmagara seu rabo, e ela estava colada ao chão. Acho mesmo que não vou esquecer de seus olhos muito negros a saltar do pequeno corpo, fixos em mim. Exercitando, na medida do possível, alguma empatia, me imaginei em seu lugar, e pensei no pânico que estaria sentindo. Com cuidado, fui descolando do chão o rabo esmagado, enquanto a lagartixinha agitava as patinhas, tentando se desvencilhar de mim. Escapou, meio desequilibrada, saiu arrastando a cauda destruída. Parou entre a cesta de roupas e a parede. Ficou ali, paradinha, sem se mover. E eu parada a observá-la, querendo muito que ela sobrevivesse ao desastre provocado por mim.

Algum tempo depois, quando retornei para ver como estava a minha vítima, já não a encontrei. As lagartixas comportam-se assim: muitas vezes fazem-se de mortas, até passar o perigo. Depois fogem, para cuidar de si. Espero, sinceramente, que ela possa restaurar o rabo o mais prontamente! E possamos nos reencontrar em situações menos desastrosas, para ela e para mim...







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