O dia foi marcadamente mais angustiado do que tem sido até
aqui. Acho que ter assistido ao filme O Poço, ontem, deixou meu pensamento
com inquietudes extras. Some-se a isso a leitura de uma reportagem alertando
para o fato de que São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro, Amazonas e Distrito
Federal estariam enveredando, a estas alturas, já para a segunda fase do
processo de contaminação pelo covid 19, chamada de “aceleração descontrolada”, a
mais agressiva. O Distrito Federal destoa ainda mais nesse cenário,
apresentando o coeficiente de incidência mais alto, de 13,2 infectados para
cada 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 4,3 infectados para
cada 100 habitantes.
Aceleração descontrolada... Em algum momento houve algum tipo de controle no expoente
multiplicador do processo de contaminação por esse vírus? Em algum momento, governantes,
autoridades sanitárias, empresários, responsáveis pela saúde pública, e mesmo as populações em geral tiveram algum controle sobre a aceleração desse avanço?
Pela manhã, confeccionei uma máscara para mim, com algodão duplo, com estampas de flores. Não importa se são portadoras de humor, se são graciosas, se posso combinar com os óculos ou a roupa, são as novas burcas, de uso obrigatório: devem ser usadas toda vez que formos à rua.
Pela manhã, confeccionei uma máscara para mim, com algodão duplo, com estampas de flores. Não importa se são portadoras de humor, se são graciosas, se posso combinar com os óculos ou a roupa, são as novas burcas, de uso obrigatório: devem ser usadas toda vez que formos à rua.
No final da tarde, recebi a mensagem de uma amiga
contando que uma conhecida sua, técnica de enfermagem, jovem com 38 anos, morrera
em decorrência do vírus, ainda hoje pela manhã. Pensei na sua morte, nas mortes em decorrência do covid 19: mortes solitárias, sem afagos, sem alento. Funerais aligeirados, sem testemunhas...
Sem conseguir me desfazer de sustos e indagações, tentei dar curso a algumas atividades inadiáveis: relatórios, projetos, textos, cuidados
com a casa, e me perdi no tempo, sem me aperceber.
Já passava das 20 horas, quando ouvi a campainha tocar. Fui tomada
de sobressalto. Quem, em tempo de isolamento social, tocaria a campainha de
casa num sábado à noite, sem se anunciar? Algum morador do prédio precisando de ajuda? Ouvi uma voz de mulher,
chamando pelo meu nome. Reconheci a voz de uma vizinha muito
querida. Abri a porta rapidamente, enquanto ela me dizia: Só uma palavrinha,
mas de longe! Ela estava apoiada na parede oposta à da porta, olhos afetuosos,
um sorriso que eu podia adivinhar por trás da máscara. No batente da porta, uma
abóbora. “Trouxe da roça, acabei de chegar de lá! Está bem lavada, higienizada!”.
Contou-me dela, contei-lhe de mim, em breves palavras trocadas, entre alegrias contidas. Perguntou se eu gostava de
abóbora. Que sim, respondi, adoro! Disse-me que gosta de assar. Eu já pensava mesmo
em assá-la com outros legumes. Sentia-lhe já o cheiro do assado.
Queria tê-la abraçado. Tentei fazê-lo com meu olhar. Recolhi a abóbora que terá sabor de afeto.
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