Como ponto de partida, devo dizer que o filme God Exists,
Her Name Is Petrunija (com uma tradução ruim para a versão brasileira: Deus é
mulher e seu nome é Petúnia) bateu fundo, em vários níveis. Em primeiro lugar,
trata-se de uma história que se reporta a uma Petrunija que existe e viveu
aquela situação, muito recentemente, na cidade-set do filme. A experiência para
essa mulher foi violenta e traumática. Sua vida naquela cidade tornou-se
insustentável e, atualmente, ela vive na Inglaterra, com identidade preservada.
Na Macedônia, é simplesmente referida como “aquela mulher louca”. A diretora, Teona
Strugar Mitevska, que também assina o roteiro em coautoria com Elma Tataragic, reporta,
também, sua experiência tentando contar essa história, na mesma cidade, a
despeito das reações dos moradores, da igreja, dentre outros.
Por que o filme tem reverberado em tantos lugares, apesar de
ter sido rodado na Macedônia, a partir de uma comunidade e uma história tão
particulares? Há uma frase atribuída a Tolstoi, que diz mais ou menos assim: “Se
queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia.” (Há outras versões para
essa frase, tais como: “'Canta a tua aldeia e serás universal”, ou “Seja
universal, fale de sua aldeia”). Afora discordar da pretensão de universalidade
a qualquer narrativa, ou ideia, é preciso admitir: há projetos que, desde a
particularidade, ou a singularidade, conseguem tocar em questões sensíveis para um gradiente maior de outras particularidades e outras singularidades. A possibilidade
de produzir ressonância num número maior de pessoas e contextos resulta dessa
capacidade de, ao contar uma história particular, fazê-lo deixando espaços nos
quais essas pessoas consigam se encontrar. Esse é um dos méritos do filme de Teona:
mulheres e comunidades da Índia e do Brasil, da Alemanha e da França conseguem
ver-se em Petrunija, solidarizam-se com ela, colocam-se ao seu lado em sua
saga.
O argumento do filme é consistente, e ele se desenvolve
também de modo coerente, muito bem articulado, sem exageros, sem superlativos. Desde
a primeira sequência, até a última.
Poderia ser um libelo feminista. Mas consegue ser muito mais
que isso: escancara o domínio masculino, numa sociedade patriarcal cuja
sustentação é feita também pelas mulheres. Não por acaso, as duas primeiras
críticas escritas ao filme de Teona foram assinadas por mulheres, que
recomendaram à diretora nunca mais fazer filmes em sua vida.
De acordo com a própria diretora, o filme trata, em última
instância, da justiça. Em suas palavras, “Petúnia está atrás de justiça. E essa
é uma questão que diz respeito a todos nós.” (Papo de Cinema).
Há muitas outras reverberações de Petúnia em mim. Mas preciso
bem mais que dois dias para articular essas percepções múltiplas. Por ora,
deixo Petúnia, pelas mãos de Teona, falar por mim.
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