segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Coisas do homem da cobra



Noutro dia, ouvi a expressão “fala mais que o homem da cobra”, e fiquei me perguntando se as pessoas, hoje, sabem a que se refere. Há muito tempo não vejo nenhum homem da cobra, acho mesmo que já não existem mais esses profissionais da cultura popular, em atuação nos meios urbanos.

Tratava-se de um homem que, instalado em praça pública, portava uma mala e outras tranqueiras. Falando alto, e muito, sem parar, anunciava que tinha uma cobra na mala. Normalmente contava muitas potocas a respeito da tal cobra: seria venenosa, mas no caso daquela especificamente não ofereceria perigo, pois ele a teria adestrado, e dominava completamente seus humores, mas isso era coisa que só ele conseguia, e que logo ele mostraria ao público. Dizia para que não tivessem medo, que estava tudo sob controle. Enquanto ele falava, as pessoas se aglomeravam em torno dele formando um círculo, curiosas para saber mais sobre a tal cobra guardada na mala. Mas ele adiava por tempo indeterminado esse momento, prendendo a atenção do público, e aproveitando para vender coisas outras: desde descascadores de frutas até remédios com múltiplas funções, capazes de curar, numa só tomada, unha encravada, tumor no cérebro e os males da menopausa. Sim, já existiram desses remédios milagrosos que provavelmente tenham sido extintos por intrigas da indústria farmacêutica.

Assim, o homem da cobra passava uma, duas horas, boa parte da manhã ou da tarde, segurando o público em plena praça, vendendo suas tranqueiras, com a promessa de mostrar a cobra, guardada na mala. Muita gente se achegava e logo ia embora, por falta de tempo, ou porque sabia que o desfecho se demoraria. Afinal, se tratava do homem da cobra! Mas outros, ficavam por ali, acompanhando toda a movimentação. E muitos compravam um ou mais itens de sua venda.

Já esgotada a argumentação, ele abria a mala, e retirava dali uma cobra (que existia, de fato). Mexia com ela, e a enrolava no pescoço. Eventualmente dava pequenos sustos da audiência, avançando com cobra e tudo em direção às pessoas. Provavelmente a cobra tivesse arrancadas as prezas, não oferecendo, de fato, nenhum perigo. Com certeza, o IBAMA perseguia o evento, tendo em vista a inquestionável situação de maltrato à qual o animal era submetido. Essa deve ser uma das razões pelas quais não se vejam mais esses performers da cultura popular atuando.

Mas ficou a expressão: falar mais que o homem da cobra. Vai conversar fiado assim lá no raio que o parta!





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