domingo, 9 de dezembro de 2018

Por mais aniversários errados, pela diversidade de pensamento, pela inquietude.


p/ a sempre querida menina Helô

Tenho a honra de ter conhecido pessoalmente Heloísa Helena Oliveira Buarque de Hollanda, a professora Heloísa Buarque de Hollanda, ou apenas e afetivamente Helô, num percurso que se iniciou há pouco mais de duas décadas. Eu tinha iniciado meu mestrado, quando fui participar do Encontro da ANPEd, em Caxambu. Ela era a conferencista principal, responsável pela abertura do evento. Aqueles dias foram marcantes, para mim. Minha orientadora de mestrado, uma mulher também inesquecível, a professora Iria Brzezinski, apresentou-me, então, Mariazinha Fusari, que veio a ser minha coorientadora. Uma mulher forte e doce, bela, de quem não me esquecerei. Mas, antes de ser apresentada a ela, conheci as palavras e a força da Helô, numa palestra pronunciada a um auditório lotado. E depois pude fazer uma fotocópia do texto no qual se baseou sua fala. Não me lembro mais dos detalhes de seus argumentos, mas me lembro do impacto, das reverberações em meu pensamento. Também ela era forte, desafiadora, ao mesmo tempo que bela, sedutora. Descaradamente dada a transgressões da língua, do pensamento, das epistemologias. Encantadora.

Pouco mais de uma década depois, já na condição de professora numa universidade federal, e num programa de pós-graduação, fui fazer meu primeiro estágio pós-doutoral no Programa Avançado de Cultura Contemporânea, o PACC, na UFRJ. Tratava-se de um programa criado e coordenado por ela, voltado para os Estudos Culturais. No ambiente universitário, esse foi um dos espaços mais radicalmente abertos à diversidade, à pluralidade de pensamento de que tomei conhecimento. Um espaço díspar, capaz de sobreviver às crises, porque construído para viver as crises, e produzir pensamento e aprendizagens a partir delas.

Naquele período, ela estava entusiasmada com a criação de um projeto de extensão, o Universidade das Quebradas, voltado para a formação de lideranças culturais vindas das comunidades pobres, de grupos sociais que dificilmente teriam acesso à universidade pública. Lembro-me dela, radiante, brincando com a ideia de quebrar os muros da universidade, trazendo essas pessoas para compartilharem conhecimentos e fazeres e saberes nos palácios da cultura. No Palácio Universitário da Praia Vermelha, mais especificamente, onde, à época, funcionava o PACC.

Desde então, sou tomada de admiração, respeito e afeto pela inquietação, pela capacidade de lidar com os embates, pela força da curiosidade e das perguntas de Helô menina, mulher, intelectual ímpar.

Em abril deste ano, 2018, estive em sua casa. Tive o privilégio de participar da comemoração de um aniversário errado celebrado entre ela e os netos. O aniversário errado é de ninguém, e por isso mesmo é de todas as pessoas. É disposição para celebrar a vida. Depois da festa, os pais e as mães foram chegando, para buscar as crias. Algumas das crianças ficariam para dormir com a avó. Filhos, filhas, noras genros e agregados conversavam sobre vários assuntos, enquanto os netos e as netas corriam pela casa. Uma nora delongou-se um pouco mais, com ela, ouvindo-a falar sobre seu projeto: as escritoras feministas. Lembro-me do brilho em seus olhos. Helô estava imersa num sem número de livros, lendo, apaixonada pela diversidade e força da nova geração de feministas. Aprendia com elas, como uma criança vai desbravando o mundo. Estava, então, em plena função de estudo e escrita do trabalho que resultaria no livro “Explosão feminista”, publicado pela Companhia das Letras.

Fui surpreendida, nesta semana, por uma mensagem dela, na plataforma do Facebook, manifestando-se, de modo sempre elegante, sensível e sábio, sobre alguma tomada de posição supostamente “errada” dela, em relação ao conteúdo de seu livro. Não entendi muito ao certo do que se tratava, mas chamou-me a atenção o teor do texto, e o fato de ser, aquela plataforma, um espaço no qual ela pouco se manifesta. Se ela vinha, a público, posicionar-se daquela maneira, o que teria ocorrido? Não demorou para que eu começasse a receber mais mensagens, algumas de apoio, outras com críticas muito duras a ela.

Não vou alimentar os rumos que a discussão tem tomado nas redes sociais. Não vou me colocar a serviço de quem esteja aproveitando esse trabalho de Helô para ganhar espaço no palco. Se há algum traço que marque as lutas feministas nesta década (como de resto as demais lutas) é a baixa capacidade para lidar com as divergências, com as discordâncias (apesar de se pronunciarem, recorrentemente, palavras e expressões tais como "diversidade", "direito à diferença", etc.). Parece-me que os recortes com ênfases em especificidades de grupos acabam gerando perspectivas menos capazes de lidar com pontos de vista diversos. Talvez o que tenhamos que aprender com o livro de Helô tenha início em seu conteúdo, mas esteja principalmente nos desdobramentos decorrentes, no que ele está provocando depois de sua publicação. Sim, talvez as reações a ele tenham a potência de desvelar a face, ou as faces dos feminismos em curso, neste momento.

Já tratei de adquirir meu exemplar, sem errata, sem correções. 

Quero celebrar mais aniversários errados. Você me chama, Helô? Obrigada, minha querida, por ter propiciado vivenciar a beleza e a intensidade de espaços tão radicalmente abertos à diversidade e à divergência!



Em tempo 1: se você, leitor, leitora, está pensando na possibilidade de algum vínculo familiar entre ela e Chico Buarque de Holanda, engana-se. O Hollanda dela é com dois éles (LL), o do Chico é só com um. A irmã dele, cantora e compositora, é Miúcha. A propósito, ela não é descendente da família real, como andaram dizendo por aí... (affff!)

Em tempo 2: eu acho que você deveria ler o livro dela, “Explosão feminista”, antes que seja tarde! Pronto, falei.

Em tempo 3: o link para página da Helô: https://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/









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