quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Das insignificâncias. Ou: Presente de Natal

p/ Néia






Já quase à hora de ir embora, ela lembrou que tinha trazido “uma coisa” para mim. E mostrou um copinho descartável de café embrulhado num pedaço de plástico branco, meio rasgado. Segurava com cuidado aquela fragilidade. Tinha vindo de ônibus, transportando aquilo. Eu olhei, sem entender do que se tratava. Ela começou a explicar que o marido tinha limpado umas lâmpadas, e ela se lembrou de mim. Aí pensou que eu poderia fotografar. Enquanto ia falando, tirou o plástico do copinho, e derramou o conteúdo sobre uma folha branca. Os insetos secos se acomodaram ali, uns por cima dos outros. Tinham morrido nos embates com as lâmpadas de sua casa. Retirados de lá por seu marido, ela os recolheu. Sob sua tutela, nenhum se quebrara, ou fora danificado. Seus olhos brilharam, me olhando, à espera da minha reação. Eu fiquei ali, com a respiração em suspenso. Não tenho dúvidas: ela bebeu água da mesma fonte que Manuel de Barros. Então ela foi me mostrando cada um, dos maiores aos mais pequeninos, quase indecifráveis. Olha a cor deste! Olha a asinha deste outro! Ela foi olhando cada um como se visse pelos meus olhos. Ela pensou que eu poderia fotografar cada um, com aquela câmera que fotografa as coisas pequenas. As insignificâncias... Mas a poesia estava era ali, no seu olhar, no seu gesto, no seu encantamento. Depois ela se riu: Olha só, o presente que eu trago para você!

Eu não poderia estar mais grata.







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