sexta-feira, 10 de agosto de 2018

De viagens, pesquisas de campo e perguntas na bagagem...









Para Manuela Matos Monteiro e Joao Lafuente

Sempre me pergunto: por que viajar? As respostas prontas, essas que todos costumamos dar, não me bastam... Também me pergunto sobre as motivações que me levam a fazer trabalho de campo em minhas investigações. Tampouco as respostas recorrentes a essas questões me satisfazem. Ainda e assim, prossigo em viagens e trabalhos de campo. Mas vou atenta, supondo que viajo, e vou ao encontro de pessoas outras para, em última instância, descobrir mais sobre mim mesma. O embate com o outro, com a diferença, revela nos jogos de espelho a minha própria face. Ou me constitui.

Por volta de 2012 conheci Seu Osorinho, em Serranópolis, uma pequena cidade de certa de 8000 habitantes. Sua paixão por registrar a vida de sua comunidade e as paisagens de seu lugar em vídeo me levou até ele. Depois de estarmos juntos umas duas ou três vezes, em meio a festas da cidade, em 2015 decidi retornar à sua cidade, para conversarmos com calma sobre seu projeto, sua inserção na comunidade, suas lidas com os vídeos.

Mas decidi cumprir os pouco mais de 400km de ônibus. Assim, pensei, eu iria também adentrando, devagar, o território buscado, as suas gentes, os seus tempos, as suas falas. O horário de saída de Goiânia: 10 horas da manhã. Previsão de chegada a Serranópolis: 18 horas, fim da tarde. Ou seja, os 400km seriam cumpridos em nada menos que 8 horas de viagem. Parti.

Algum tempo de viagem, e fizemos a primeira parada para o almoço. Ainda não batera o meio dia. O restaurante de beira de estrada ficou cheio de gente. Comidas regionais, servidas em sistema de autoatendimento. Almoçamos com um olho no prato e outro no motorista que, tão logo concluiu a refeição, tomou seu copo de refrigerante, alongou os braços, e colocou-se pronto para retomar a estrada. Passou ainda na pequena rodoviária da cidade, onde alguns passageiros a mais puderam embarcar. E prosseguimos. Algum tempo depois, chegamos a Rio Verde, uma cidade de médio porte no interior do Estado de Goiás, com intensa atividade agropecuária e economia vívida. Ali, na garagem da empresa, o motorista entregou o ônibus para seu substituto, que terminaria o percurso. Alguns passageiros desembarcaram. Retomando o curso, o ônibus seguiu para a rodoviária propriamente dita, onde mais passageiros desembarcaram, outros embarcaram. Ao final, retomamos a estrada, em direção a Jataí. Trata-se também de uma cidade de médio porte, com uma cultura universitária muito forte. Àquela altura, o campus da Universidade Federal de Goiás já apresentava muita autonomia, tanto que alguns anos mais tarde iniciou o processo para tornar-se uma universidade federal independente.

Quando o ônibus chegou à rodoviária, Seu Osorinho me ligou. Queria saber em que altura eu estava, e a que horas chegaria. Expliquei que estávamos em Jataí. “Ainda!”, foi o que exclamou, a postos, a me aguardar no centro de Serranópolis. Mas, considerando que ainda demoraria, decidiu ir ter com a sua madrinha, com quem precisava tratar de algum assunto pessoal, e retornaria em tempo de minha chegada.

E assim foi: por volta das 18 horas, o ônibus encostou na pequena rodoviária, no centro da cidadela. Serranópolis localiza-se nas cercanias de um conjunto de sítios arqueológicos com desenhos que datam de aproximadamente 11000 anos. As grutas estão protegidas tão somente pela dificuldade de acesso e pelo terreno rochoso. Assim, elas não sofrem ameaças imediatas pelo avanço do plantio de soja e outros itens da agricultura intensiva.

Nos encontramos com alegria e leveza. Seguimos pela rua, eu puxando minha pequena mala, ele empurrando sua bicicleta. Conversamos sobre meu projeto, sobre seu trabalho. Combinamos que, no dia seguinte, eu o acompanharia no seu programa de rádio.

À porta do pequeno hotel, ele me olhou com ternura, mas com firmeza: o que a senhora quer saber, mesmo?

A pergunta de Seu Osorinho nunca mais se despregou de mim. Ressoa entre minhas inquietações. Reclama resposta que não consigo dar. Chego a supor que tenha feito a viagem até Serranópolis, ao encontro de Seu Osorinho, sua câmera e sua sanfona, para buscar essa pergunta, e dela não mais me desfazer.























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