sábado, 2 de janeiro de 2016

A propósito da representação da tentação pelas frutas

 p/ Rubem Alves, in memorian.

Há algum tempo, li um texto em que Rubem Alves argumentava três prováveis equívocos na tela Adão e Eva, de Dürer. Vou logo ao terceiro deles, no qual discordava da escolha da maçã como fruta que devesse representar a ideia de tentação. Para ele, o fruto proibido tinha de ser portador de um poder de sedução, e a maçã pode ser considerada uma fruta pudica, que “não se despe por vontade própria, só tira a roupa sob a violência da ponta da faca. E ainda geme quando é mordida. Comer uma maçã é sempre um estupro”. 

Não tive escolha senão concordar com ele quanto a essa inadequação da imagem da maçã à ideia de tentação. Sem desqualificar a maçã em nenhum de seus dotes (eu adoro maçãs). Mas, afinal, qualquer um pode comê-la e sair para uma festa, ou para a missa, assim, mesmo com a cara deslavada, como se nada lhe tenha passado. Ela não lambuza quem a saboreie.

No mesmo texto, o autor reivindicava o status de fruta da tentação para o caqui. Segundo ele, o caqui seduz, chama a devorá-lo, desfazendo-se em sumos suculentos mal seja tocado.

Esse texto faz referência a uma palestra que Rubem Alves teria dado, e os desdobramentos, muito tocantes, podem ser lidos neste link: "O caqui"

Hoje, enquanto partia uma jaca enorme, macia, endiabradamente permufosa, lembrei-me do texto. Pensei na maçã, no caqui... Mas fiquei me perguntando se Rubem Alves teria comido jacas...

As jacas são seres com quem as relações se estabelecem sem meios-termos: ou se ama, ou se rejeita totalmente. Sua casca é resistente e áspera, pode machucar os desavisados. Mas quando se põe madura, entrega-se. O fruto grande cede à queda. Quase sempre, sob o peso, conforme a altura, rompe a casca, exalando cheiros, prometendo sabores. O corpo aberto oferece bagas adocicadas, que podem ser buscadas entre a carne macia, viscosa, afeita ao toque das mãos.

Entremeei os dedos nas fibras, deslizei buscando cada baga. Algumas eu degustei com prazer. Outras, guardei para mais tarde. Coisa boa, a gente vai saboreando aos poucos, para delongar as delícias... e as tentações...











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