As
orientações para chegar ao endereço indicado eram claras: no centro de Recife,
em frente ao edifício São Rafael, o mais alto da Avenida Dantas Barreto, no
terceiro bloco do Camelódromo, de cor amarela. No piso térreo, próximo da
escada para o primeiro andar, encontrava-se a banca do Seu Simião Martiniano.
Ocupando um espaço de aproximadamente 2m x 1m, numa prateleira de metal, estavam
expostos fitas VHS, DVDs, CDs, livrinhos de cordel, aparelhos de televisão,
vídeo, DVDs e de som diversos, discos de vinil usados, fiações e outras
quinquilharias. Quase tudo à venda, disponível para ser negociado por esse cuja
experiência no comércio ultrapassava quatro décadas à época quando fui visita-lo.
De
segunda a domingo, o camelô fazia o percurso entre Jaboatão dos Guararapes,
onde residia com a família, àquele endereço, para trabalhar, “não sei bem certo
há quanto tempo, mas tem mais que 10 anos”. Quando o assunto era idade, ou
tempo, Seu Simião sorria, e se encaminhava por territórios imprecisos. De fato,
ele ocupou aquele espaço a partir da inauguração daquelas instalações, em 1994,
quando ainda era chamado de Calçadão dos Mascates, criado com o objetivo de
organizar o comércio ambulante no centro da cidade. Antes disso, trabalhava em
feiras e mercados, entre os quais cita o comércio informal do Cais de Santa
Rita, também no Bairro de São José, no centro da cidade. À época, a renda
obtida na banca complementava a parca aposentadoria.
Na
atividade como camelô, ele comercializava a mercadoria resultante de sua
grande paixão, o cinema. Os itens principais à venda eram seus próprios filmes,
e as trilhas sonoras das quais, em alguns casos, ele também assinava a autoria.
O trabalho das gravações era conciliado com o de vendedor. Quando estava
fazendo filme, aos sábados e domingos, depois de fechar sua banca no
Camelódromo, seguia para as gravações, cuja duração variava de acordo com a
natureza e as condições de realização do projeto: “Se for curto, leva uma
semana, duas, um mês, depende das condições, né? Se for por nosso trabalho,
nosso recurso, sem ajuda de outros, aí é mais semanas, aí demora mais, isso
passa até um ano pra fazer. Leva um ano pra fazer. Entendeu?”.
Sua
aproximação com o cinema começou no início da década de 1960, quando ainda
trabalhava como mestre de obras. Atuou como figurante em dois filmes dirigidos
por Pedro Teófilo, com quem também fez um curso de cinema. Os dois trabalhos
não foram finalizados, frustrando suas expectativas. Nessa mesma época, começou
a escrever e produzir a radionovela Minha
vida é um romance, baseada em fatos de sua vida. Posteriormente, o enredo
da radionovela foi transformado em um cordel. Mas, ante as muitas dificuldades
enfrentadas, decidiu acatar a sugestão da atriz carioca Greice Neves, que o
conheceu na ocasião, abandonando a ideia da radionovela, e adaptando sua
história para o cinema. Em 1979, concluiu seu primeiro filme, Traição no sertão, que mistura parte de
sua história a boas doses de ficção, com duração de quatro horas, dividido em
duas partes. Foi gravado numa câmera Super 8,
[...] pequenininha, deste tamainho
assim, né? Filmava assim, como se fosse um revólver [risos]. A imagem ruim... a
imagem muito ruim. [...] [foi] um bancário, que trabalha no filme como ator,
ele tinha [a filmadora]. Ele que ofereceu. Aí ele falou comigo, eu falei com
ele, aí a moça, a Greice Neves, vamos filmar? Vamos filmar! Inventemo de
modificar o roteiro, da novela, e aí fazer o filme.
Esse
primeiro filme foi apresentado ao público de Jaboatão dos Guararapes. No
início, muitas vezes Seu Simião projetou seus filmes num telão instalado na
rua, antes de começar a mostrá-los no circuito alternativo de cinemas
municipais. Curiosamente, ele confessava não ser frequentador de salas de
cinema: entrou em uma, pela última vez, no final dos anos 1970, para assistir a
algum filme que não seu. Mas gostava de ver filmes em casa, no aparelho de
televisão.
Desde então, dirigiu 9 filmes de longa metragem, atuou em outros tantos, e foi o tema do filme Simião Martiniano, o Camelô do Cinema, documentário de Clara Angélica e Hilton Lacerda, com duração e 14 min, realizado em 1998.
Desde então, dirigiu 9 filmes de longa metragem, atuou em outros tantos, e foi o tema do filme Simião Martiniano, o Camelô do Cinema, documentário de Clara Angélica e Hilton Lacerda, com duração e 14 min, realizado em 1998.
Onde
estiver, tomara que haja aparelhos de televisão, para que continue vendo
filmes. Mas, principalmente, que haja câmeras de vídeo, para que possa continuar
inventando e contando suas histórias...
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