domingo, 12 de julho de 2015

Tributo a Seu Simião, in memorian


As orientações para chegar ao endereço indicado eram claras: no centro de Recife, em frente ao edifício São Rafael, o mais alto da Avenida Dantas Barreto, no terceiro bloco do Camelódromo, de cor amarela. No piso térreo, próximo da escada para o primeiro andar, encontrava-se a banca do Seu Simião Martiniano. Ocupando um espaço de aproximadamente 2m x 1m, numa prateleira de metal, estavam expostos fitas VHS, DVDs, CDs, livrinhos de cordel, aparelhos de televisão, vídeo, DVDs e de som diversos, discos de vinil usados, fiações e outras quinquilharias. Quase tudo à venda, disponível para ser negociado por esse cuja experiência no comércio ultrapassava quatro décadas à época quando fui visita-lo.

De segunda a domingo, o camelô fazia o percurso entre Jaboatão dos Guararapes, onde residia com a família, àquele endereço, para trabalhar, “não sei bem certo há quanto tempo, mas tem mais que 10 anos”. Quando o assunto era idade, ou tempo, Seu Simião sorria, e se encaminhava por territórios imprecisos. De fato, ele ocupou aquele espaço a partir da inauguração daquelas instalações, em 1994, quando ainda era chamado de Calçadão dos Mascates, criado com o objetivo de organizar o comércio ambulante no centro da cidade. Antes disso, trabalhava em feiras e mercados, entre os quais cita o comércio informal do Cais de Santa Rita, também no Bairro de São José, no centro da cidade. À época, a renda obtida na banca complementava a parca aposentadoria.

Na atividade como camelô, ele comercializava a mercadoria resultante de sua grande paixão, o cinema. Os itens principais à venda eram seus próprios filmes, e as trilhas sonoras das quais, em alguns casos, ele também assinava a autoria. O trabalho das gravações era conciliado com o de vendedor. Quando estava fazendo filme, aos sábados e domingos, depois de fechar sua banca no Camelódromo, seguia para as gravações, cuja duração variava de acordo com a natureza e as condições de realização do projeto: “Se for curto, leva uma semana, duas, um mês, depende das condições, né? Se for por nosso trabalho, nosso recurso, sem ajuda de outros, aí é mais semanas, aí demora mais, isso passa até um ano pra fazer. Leva um ano pra fazer. Entendeu?”.

Sua aproximação com o cinema começou no início da década de 1960, quando ainda trabalhava como mestre de obras. Atuou como figurante em dois filmes dirigidos por Pedro Teófilo, com quem também fez um curso de cinema. Os dois trabalhos não foram finalizados, frustrando suas expectativas. Nessa mesma época, começou a escrever e produzir a radionovela Minha vida é um romance, baseada em fatos de sua vida. Posteriormente, o enredo da radionovela foi transformado em um cordel. Mas, ante as muitas dificuldades enfrentadas, decidiu acatar a sugestão da atriz carioca Greice Neves, que o conheceu na ocasião, abandonando a ideia da radionovela, e adaptando sua história para o cinema. Em 1979, concluiu seu primeiro filme, Traição no sertão, que mistura parte de sua história a boas doses de ficção, com duração de quatro horas, dividido em duas partes. Foi gravado numa câmera Super 8,

[...] pequenininha, deste tamainho assim, né? Filmava assim, como se fosse um revólver [risos]. A imagem ruim... a imagem muito ruim. [...] [foi] um bancário, que trabalha no filme como ator, ele tinha [a filmadora]. Ele que ofereceu. Aí ele falou comigo, eu falei com ele, aí a moça, a Greice Neves, vamos filmar? Vamos filmar! Inventemo de modificar o roteiro, da novela, e aí fazer o filme.

Esse primeiro filme foi apresentado ao público de Jaboatão dos Guararapes. No início, muitas vezes Seu Simião projetou seus filmes num telão instalado na rua, antes de começar a mostrá-los no circuito alternativo de cinemas municipais. Curiosamente, ele confessava não ser frequentador de salas de cinema: entrou em uma, pela última vez, no final dos anos 1970, para assistir a algum filme que não seu. Mas gostava de ver filmes em casa, no aparelho de televisão.

Desde então, dirigiu 9 filmes de longa metragem, atuou em outros tantos, e foi o tema do filme Simião Martiniano, o Camelô do Cinema, documentário de Clara Angélica e Hilton Lacerda, com duração e 14 min, realizado em 1998.

Onde estiver, tomara que haja aparelhos de televisão, para que continue vendo filmes. Mas, principalmente, que haja câmeras de vídeo, para que possa continuar inventando e contando suas histórias...





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