para Amanda Gabrielli
Cheguei à rodoviária bem antes do horário do meu ônibus. No
box onde eu embarcaria, havia certa confusão, decorrente de certo atraso dos
ônibus. Resolvi aguardar acomodada na sala destinada aos passageiros dos ônibus
executivos. À minha frente, do outro lado da sala, um casal de meia idade, e
uma menininha com uns 4 anos, inquieta, agitada. A avó estava irritada com ela,
querendo que ficasse sentada. Mas a menina mexia em tudo, sempre repreendida –
o que não surtia muito efeito. O avô observava o movimento, indiferente ao
desconforto da esposa, ou à agitação da menina.
Sentada do outro lado da sala, constatei o que se
passava. Passados alguns instantes, a menina veio até mim, sentou-se ao meu
lado, e mostrou-me o dedinho, queixando-se: “está machucado...”. A avó agiu
prontamente, vindo buscá-la, para que se sentasse perto dela. Decidi não
contrariar a autoridade da avó, e sugeri a ela “vá sentar-se com sua avó, meu
amor”. Do outro lado, ela choromingou, e começou a chupar o dedo. Como eu ainda
tinha tempo, decidi ir à revistaria, comprar o jornal. Enquanto eu saía pela
porta, ouvi sua voz “vovó, ela está indo embora”. A avó fez algum comentário
justificando minha saída.
Algum tempo depois, retornei. À porta da sala, avistei
seu sorriso largo e os olhos brilhantes quando me avistou. Sorri para ela. Sentei-me
num lugar livre, próximo dela. Ela deslizou rapidamente, para ficar ao meu
lado. Mostrou-me novamente o dedinho machucado. Examinei. A cutícula estava
magoada, um pouco avermelhada. Ela queixou-se, dizendo que tinha sangue. Expliquei
que não era sangue. E brinquei com ela, dizendo que o sangue estava lá dentro,
na barriga, na perna, na cabeça. E ia cutucando-a, enquanto ela se contorcia
com cócegas e ria. Lembrei-me de mostrar a ela o pulso, e tentar fazer com que
ela sentisse a pulsação. Coloquei o dedinho sobre a artéria. “Sentiu?”. Acenou que
não, com a cabecinha. Ajustei a posição do dedinho, e a pressão. Ela arregalou
os olhos cor de mel, sorriu e disse “Senti!”. Experimentou de novo. Correu para
fazer a avó sentir, e o avô. Logo estava apalpando o pulso dos dois, para
sentir sua pulsação. A avó e o avô também riam com a descoberta. Talvez também
eles nunca tivessem sentido o próprio pulso.
Depois de algum tempo, voltou a sentar-se ao meu lado. Como
eu conversava ao telefone, deitou-se, colocou a cabeça no meu colo, agarrou,
com uma das mãos, uma dobra da minha calça comprida, e pôs-se a chupar o dedo
da outra mão.
Quando terminei o telefonema, meu ônibus já estava
posicionado para o embarque. Falei-lhe que precisava ir embora. Ela segurou
minha calça, e disse que não queria que eu fosse. Expliquei que ia verificar se
aquele era mesmo o meu ônibus, e voltaria para falar com ela. Deixou-me sair. Ficou
esperando, sentada ao lado da avó. Estava calma. Voltei em seguida. Ela sorriu
largo. Expliquei que era o meu ônibus, e eu embarcaria. Ela perguntou para onde
eu ia. Expliquei que faria uma visita à minha mãe, que estava velhinha. Ela perguntou
se minha mãe estava doente. Disse que sim. Quis saber o nome do médico da minha
mãe, e também o nome dela. Foi encompridando conversa, para adiar minha saída. Beijei
sua testa dourada. Despedi-me. À porta, acenei. Ela jogou-me um beijo. Sorria,
contente.
Amanda Gabrielli, o seu nome. O rosto miúdo ficou
registrado na memória. O mais provável é que não volte a encontrá-la...
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