A todos quantos se deixaram ser criança,
para brincar e tramar desenhos aéreos com fios,
retalhos, cordões, gestos, risos e imaginação!
Pela manhã, o primeiro grupo se organizou, pegou os
materiais, munido das instruções e motivações, saiu para o jardim. Todos estavam
dispostos a fazer tramas entre as árvores, os gradis, e demais estruturas
arquitetônicas com que pudessem interagir.
Curiosos começaram a chegar para ver o que estava
acontecendo. Alguns professores de artes plásticas olhavam de modo enviesado. Professores
e alunos de teatro animaram-se com a novidade, e integraram o grupo, ampliando
possibilidades para a enorme teia que foi se estendendo. Os retalhos de malha e
outros tecidos, amarrados entre si, entrelaçados, flexíveis, aceitavam formas, demarcando
desenhos aéreos, pendendo do alto, deixando-se balançar com o vento, caindo ao
chão para formar mosaicos coloridos e brincantes.
Entre os que estavam imersos na teia e os que observavam desde a área externa havia uma enorme distância no tocante à experiência. De fora, parecia impossível
compreender o que acontecia ali dentro, embora estivessem a poucos metros, ou menos ainda, uns dos outros.
Na teia, todos estavam absortos, e movidos por uma
disposição lúdica, prazerosa. Uns trabalhavam mais sós. Outros, em duplas,
desenvolviam pequenos projetos que se integravam ao todo. Outros interagiam com
todos, trançando de todos os lados.
Na rampa e no estacionamento, transitavam olhares de estranhamento, outros instigados. Uns
faziam de conta que estavam participando, ali, na borda, sem se arriscar muito,
dando um e outro nó no corrimão, enquanto tentavam entender. As conversas iam se
desenrolando... “A reitoria vai pensar que é uma manifestação dos grevistas,
que amanhã farão paralisação na universidade...” “Qual a mensagem? Os trapos representam
os salários dos professores?” “Eu me identifiquei totalmente com esse trabalho!
Estou comovida! É a condição da educação no país: um lixo!”
Duas senhoras que trabalham no setor de limpeza da
faculdade chegaram à porta, para ver o movimento. Uma se assustou “Xiiiiiiiiii!” A outra,
adiantando-se na explicação, para evitar que a colega cometesse alguma gafe, cochichou “É arte!” Ficaram ali, por algum tempo, provavelmente
pensando que teriam serviço extra pela frente, para limpar aquela sujeira
toda...
À tarde, enquanto o segundo grupo dava prosseguimento à intervenção, um rapaz, que tinha observado tudo no turno da
manhã, intrigado, veio perguntar o que aquilo significava. "Qual o sentido?" Devolvi-lhe a pergunta, e ele
fez um longo discurso falando sobre a paralisação dos professores no dia
seguinte, sobre o sucateamento da universidade pública, sobre as péssimas
condições da educação, etc.
Fiquei em dúvida: seria o caso de falar sobre estética relacional, sobre instalação relacional, sobre fenomenologia?... Achei melhor não. Apenas lhe contei que aquela intervenção tinha sido agendada antes de se marcar a paralisação. Ele sorriu. Fiz-lhe, então, a provocação: “Para entender, você vai precisar entrar na teia”. Puxei-o pela mão, e fomos nos enredando pelo espaço tramado. Desvia de uma tira, de um cordão, abaixa, sobe, desvia. Paramos lá no meio. Olhamos à volta. Peguei a ponta de um retalho, e convidei: “Pode amarrar”. “Mas... assim? Posso?” “Claro! Qualquer um pode entrar aqui e tomar parte. Esse é o trabalho. Pense que o que você está vendo é uma espécie de materialização de um pouco das relações entre as pessoas que aqui estiveram, enquanto aqui estiveram... faça sua marca também!” Saí, e deixei que ele sozinho brincasse um pouco.
Fiquei em dúvida: seria o caso de falar sobre estética relacional, sobre instalação relacional, sobre fenomenologia?... Achei melhor não. Apenas lhe contei que aquela intervenção tinha sido agendada antes de se marcar a paralisação. Ele sorriu. Fiz-lhe, então, a provocação: “Para entender, você vai precisar entrar na teia”. Puxei-o pela mão, e fomos nos enredando pelo espaço tramado. Desvia de uma tira, de um cordão, abaixa, sobe, desvia. Paramos lá no meio. Olhamos à volta. Peguei a ponta de um retalho, e convidei: “Pode amarrar”. “Mas... assim? Posso?” “Claro! Qualquer um pode entrar aqui e tomar parte. Esse é o trabalho. Pense que o que você está vendo é uma espécie de materialização de um pouco das relações entre as pessoas que aqui estiveram, enquanto aqui estiveram... faça sua marca também!” Saí, e deixei que ele sozinho brincasse um pouco.
Entreti-me com os demais participantes. Até que o rapaz
me chamou, para mostrar o que fizera. Montara uma espécie de S sobre uma base
feita por outra pessoa. Disse-me que era um cifrão. Pesavam-lhe as inquietações com as questões políticas e econômicas do país, entre elas as referentes aos salários dos professores. Sorriu, meio tímido,
defendendo-se: “Não sei se as pessoas vão entender o que eu tentei fazer”. Então
pude comentar sobre o que ocorrera com a interpretação feita por ele, no primeiro momento, sobre a instalação: “As
pessoas poderão ver a partir dos repertórios de cada um, do mesmo modo que você fez quando
chegou aqui: preocupado com a paralisação, criou uma narrativa para a
instalação a partir dessa motivação. O que motivará cada pessoa, quando vir
esse S? Será que as pessoas verão um S aí?”
Sorrindo, me disse que precisava voltar para a aula. “Você
está matando aula?!” Estava. Saiu correndo, o gesto alegre.
Do outro lado do estacionamento, grupos adornavam
palmeiras, envolviam troncos com cascas ásperas, enovelavam galhos, faziam redes e tranças, e se debatiam com
abelhinhas arapuá, que insistiam em se enredar nos cabelos dos participantes...
o que não deixava de ser outra modalidade de tramas e nós...
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