domingo, 30 de abril de 2023

Morada compartilhada

 




Foi bem no começo da pandemia. Depois de fazer a inspeção na varanda do segundo andar, o casal encontrou o melhor lugar para organizar seu pouso. Não se demoraram no trabalho. Em questão de dias já estavam instalados. 

Ouvi-los era um alento, em tempos quando a morte era o assunto do dia, de todos os dias. Cantavam, com voz leve e suave. Aquilo nos acalmava o coração. Estremecemos de alegrias quando constatamos os pequenos aprumando-se, pela primeira vez.

Três anos se passaram, desde então. O primeiro ano foi o mais fecundo. A cada ciclo com pouco mais de mês, nasciam duas pombinhas da seca, desenvolviam-se no ninho, até chegar o dia da partida. Alguns voos ensaiados e seguiam seu destino. A vibração do bater de asas era força de vida. 

No segundo ano, começaram os problemas técnicos de construção. Com o uso intenso e o acúmulo de fezes e novos galhos, o ninho foi ficando mais alto, embora continuasse raso. Resultou uma inclinação que, embora muito sutil, foi o suficiente para que ovinhos a ponto de descascar caíssem, levando à morte os filhotinhos. Tive de tomar a difícil decisão de retirar o ninho dali, para evitar novos acidentes fatais para a família. Não demorou e outro ninho foi construído, no mesmo local. Novas ninhadas começaram a nascer. Contudo, a nova fase não foi marcada pela sorte. Numa das vezes, um dos filhotinhos caiu do ninho, durante a noite. Sem conseguir retornar, amanheceu morto no chão da varanda. Na ninhada seguinte, outro filhotinho morreu, desta vez, no ninho. Mais uma vez, tomei a difícil decisão de retirar o corpinho do filhote junto ao ninho.

Meu marido providenciou um ninho desses que se compram em lojas especializadas. Mesmo achando que dificilmente ele seria aceito pela família de pombinhas da seca, o instalamos entre os galhos, na posição dos dois anteriores. E ficamos ali, na expectativa de como a novidade seria recebida.

Por algum tempo, não retornaram. Andavam pelos sítios em volta. Ouvíamos seu canto. E era tudo. Depois, percebemos algumas visitas furtivas na varanda, voejos entre os galhos. A certa altura, começaram a fazer inspeções no ninho construído com sisal e arame. Durante muitos meses, esse ninho passou a ser visitado regularmente pelo casal. Mas os ciclos das ninhadas tinham sido interrompidos.

No terceiro ano, observamos o aumento da frequência das visitas e uma certa familiaridade das aves com o ninho. Há três dias, a pombinha iniciou novo choco. Em breve, a varanda será território inaugural de novas pequenas vidas voejantes.

 




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