terça-feira, 11 de abril de 2023

As primas

 

São cinco as primas: Helga, Rosa, Almerinda, Magda, Felinta. Quando Rosa nasceu, Helga já era uma menina-moça faceira. Por isso, acompanhou parte da infância de Rosa de modo muito próximo. No entanto não era tão presente na vida de Almerinda, que nasceu no mesmo ano de Rosa, mas vivia na cidade, bem como Magda, sua irmã caçula. Já Felinta, a mais nova de todas as primas, quando nasceu encontrou a irmã Rosa já mocinha, totalmente dedicada ao trabalho e aos estudos. A esse tempo, Helga já se mudara para uma cidade grande, no sul, onde se casara e constituíra família. Assim sendo, Felinta não conviveu com ela na infância, conhecendo-a só por meio dos relatos e dos álbuns de fotografia que a mãe guardava cuidadosamente. Mas conviveu com Almerinda e Magda, tendo inclusive tomado parte de suas festas de casamento.

Quando o pai de Almerinda e Magda morreu, sua mãe ficou alentada com a decisão da filha mais nova de, mesmo casada, continuar morando na casa com ela. Era a garantia de cuidados em sua velhice. E assim foi: Magda acompanhou a mãe até o derradeiro dia. Depois, vendeu a velha casa onde nascera e mudou-se, com o marido e os filhos, para a mesma cidade onde a irmã Almerinda já vivia com a família há alguns anos.

Rosa e Felinta também se mudaram dali, instalando-se na capital, para onde mudou-se também sua mãe, quando o marido veio a falecer. Helga, vivendo há muito mais tempo distante de todos, acompanhava cada passo, cada fato ocorrido a cada prima, em cada núcleo familiar. E se emocionava em cada momento, sempre transbordando emoções.

Há alguns anos, Magda, já avó de alguns netos, sofreu um acidente vascular cerebral. Em consequência, perdeu a autonomia para realizar as atividades funcionais: falar, caminhar, se alimentar, fazer a própria higiene. Helga nunca se conformou com o fato e muitas vezes manifestou de modo apaixonado sua tristeza e sentimento de impotência diante do quadro da prima. Seu único consolo estava no fato de que o marido de Magda era dedicado nos cuidados com ela, apesar da fragilidade em seu coração, cujo funcionamento dependia de alguns stents implantados nas principais aortas.

A seu turno, já aposentada, Rosa assumiu os plenos cuidados da mãe que, com idade avançada, encontrou-se com a saúde mais fragilizada a cada dia. Também ela se compadecia com a situação de Magda e, muitas vezes, tentava acalmar o choro de Helga que lamentava situação da tia e da prima. Entre as primas, Almerinda se manifestava raramente, sempre de modo tranquilo, detalhando informações e tentando demonstrar que as situações, para as quais não há remédio, remediadas estão. Já Felinta, a única que ainda não se aposentara, pouco tomava parte da rede de conversas das primas, tratando de ficar imersa nos cuidados com a mãe, ao lado de Rosa, sempre que possível entre os compromissos de trabalho.

Foi numa dessas brechas, passando alguns dias na casa da irmã, que ela atendeu a uma chamada telefônica. Alô? Oi, Helga! É Felinta! Tudo bem? Do outro lado, Helga chorava copiosamente. Não, não está tudo bem! O marido da Magda morreu hoje, acabou de ser enterrado. Felinta fez uma breve pausa, situando, na memória, as figuras de Magda, o marido e os filhos, enquanto ouvia os soluços do outro lado da linha. O que poderia falar? Morreu como? Um ataque cardíaco fulminante! Helga prosseguiu, formulando perguntas que nem Felinta nem ninguém poderia responder: E agora, o que será da Magda? O que vai acontecer com ela? Felinta não sabia o que responder. Lembrou que um dos filhos de Magda era médico, que encontrariam modos de continuar os cuidados com a mãe. Nada consolava a prima mais velha, na outra ponta da ligação. Felinta resolveu mudar o rumo da conversa, numa tentativa de acalmá-la: E os netos, como estão? Helga respirou, mudou o tom da voz, contando que um dos netos estava começando um curso de graduação numa universidade pública, que todos estavam bem, com saúde, felizes. Mas o marido da Magda fora enterrado no final da tarde, e agora, o que iria acontecer? E recomeçou a chorar. Algum tempo depois despediram-se, Felinta desejou calma a ela, desejou força para Magda e os filhos, antes de encerrar a ligação. Depois relatou o ocorrido para Rosa que vigiava o sono da mãe enquanto ouvia partes da conversa telefônica.

No dia seguinte, Almerinda ligou para Rosa e contou com calma e afeto sobre a morte do cunhado e os cuidados com a irmã Magda. Disse que confiava nos sobrinhos para tomarem as providências necessárias. E recuperou uma frase muito usada pelos velhos da família: Não me meto, nem dou opinião, se não me pedem. Não poderia ser mais sensata. Estaria tudo bem.

No terceiro dia, Helga chamou novamente, pelo telefone. Dessa vez foi Rosa quem atendeu. Helga ainda chorava muito, desconsolada. Rosa ouviu as perguntas, os lamentos. Concordou que o marido da Magda fora muito dedicado. Então resolveu consolar a prima. É verdade: eles eram tão ligados! Por isso, fique tranquila, que logo ele volta para leva-la. Helga levou um susto. Gastou alguns segundos para assimilar o que Rosa dissera, nas entrelinhas. Reagiu. Não! Isso não! Mas Rosa insistiu, com a voz doce, tranquilizadora. Eu já testemunhei tantas situações assim, com casais amigos, muito ligados entre si. Quando um vai embora, logo providencia de levar o que ficou para trás.

O marido de Helga morrera há muitos anos. Nunca voltou para leva-la. A essas alturas, Helga não sabia o que pensar: o vínculo do marido morto com ela não teria sido forte o suficiente? Ela deveria se lastimar por isso, ou deveria respirar aliviada por ainda estar viva? Preferiu não continuar pensando a esse respeito. Engoliu em seco. Perdeu o fio da conversa com a prima. Perdeu a vontade de chorar. Logo se despediu, mandou um beijo para a velha tia, mãe de Rosa e Felinta. Rosa achou graça da reação da prima. Deu de ombros e foi preparar o lanche para a mãe que não demoraria a despertar do sono da tarde. 

 

 

 

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