São cinco as primas: Helga, Rosa,
Almerinda, Magda, Felinta. Quando Rosa nasceu, Helga já era uma menina-moça faceira.
Por isso, acompanhou parte da infância de Rosa de modo muito próximo. No entanto
não era tão presente na vida de Almerinda, que nasceu no mesmo ano de Rosa, mas
vivia na cidade, bem como Magda, sua irmã caçula. Já Felinta, a mais nova de
todas as primas, quando nasceu encontrou a irmã Rosa já mocinha, totalmente dedicada
ao trabalho e aos estudos. A esse tempo, Helga já se mudara para uma cidade grande, no sul, onde se casara e constituíra
família. Assim sendo, Felinta não conviveu com ela na infância, conhecendo-a só por meio dos relatos e dos álbuns de fotografia que a mãe guardava cuidadosamente. Mas conviveu com Almerinda
e Magda, tendo inclusive tomado parte de suas festas de casamento.
Quando o pai de Almerinda e
Magda morreu, sua mãe ficou alentada com a decisão da filha mais nova de, mesmo
casada, continuar morando na casa com ela. Era a garantia de cuidados em
sua velhice. E assim foi: Magda acompanhou a mãe até o derradeiro dia. Depois,
vendeu a velha casa onde nascera e mudou-se, com o marido e os filhos, para a
mesma cidade onde a irmã Almerinda já vivia com a família há alguns anos.
Rosa e Felinta também se
mudaram dali, instalando-se na capital, para onde mudou-se também sua mãe,
quando o marido veio a falecer. Helga, vivendo há muito mais tempo distante de
todos, acompanhava cada passo, cada fato ocorrido a cada prima, em cada
núcleo familiar. E se emocionava em cada momento, sempre transbordando emoções.
Há alguns anos, Magda, já avó
de alguns netos, sofreu um acidente vascular cerebral. Em consequência, perdeu a
autonomia para realizar as atividades funcionais: falar, caminhar, se alimentar,
fazer a própria higiene. Helga nunca se conformou com o fato e muitas vezes
manifestou de modo apaixonado sua tristeza e sentimento de impotência diante do
quadro da prima. Seu único consolo estava no fato de que o marido de
Magda era dedicado nos cuidados com ela, apesar da fragilidade em seu coração, cujo
funcionamento dependia de alguns stents implantados nas principais aortas.
A seu turno, já aposentada, Rosa
assumiu os plenos cuidados da mãe que, com idade avançada, encontrou-se com
a saúde mais fragilizada a cada dia. Também ela se compadecia com a situação
de Magda e, muitas vezes, tentava acalmar o choro de Helga que lamentava situação da tia
e da prima. Entre as primas, Almerinda se manifestava raramente, sempre de modo
tranquilo, detalhando informações e tentando demonstrar que as situações, para
as quais não há remédio, remediadas estão. Já Felinta, a única que ainda não se
aposentara, pouco tomava parte da rede de conversas das primas, tratando de
ficar imersa nos cuidados com a mãe, ao lado de Rosa, sempre que possível entre
os compromissos de trabalho.
Foi numa dessas brechas,
passando alguns dias na casa da irmã, que ela atendeu a uma chamada telefônica.
Alô? Oi, Helga! É Felinta! Tudo bem? Do outro lado, Helga chorava copiosamente.
Não, não está tudo bem! O marido da Magda morreu hoje, acabou de ser enterrado.
Felinta fez uma breve pausa, situando, na memória, as figuras de Magda, o
marido e os filhos, enquanto ouvia os soluços do outro lado da linha. O que
poderia falar? Morreu como? Um ataque cardíaco fulminante! Helga prosseguiu, formulando
perguntas que nem Felinta nem ninguém poderia responder: E agora, o que será da
Magda? O que vai acontecer com ela? Felinta não sabia o que responder. Lembrou que
um dos filhos de Magda era médico, que encontrariam modos de continuar os
cuidados com a mãe. Nada consolava a prima mais velha, na outra ponta da ligação.
Felinta resolveu mudar o rumo da conversa, numa tentativa de acalmá-la: E os
netos, como estão? Helga respirou, mudou o tom da voz, contando que um dos
netos estava começando um curso de graduação numa universidade pública, que
todos estavam bem, com saúde, felizes. Mas o marido da Magda fora enterrado no
final da tarde, e agora, o que iria acontecer? E recomeçou a chorar. Algum tempo
depois despediram-se, Felinta desejou calma a ela, desejou força para Magda e
os filhos, antes de encerrar a ligação. Depois relatou o ocorrido para Rosa que
vigiava o sono da mãe enquanto ouvia partes da conversa telefônica.
No dia seguinte, Almerinda
ligou para Rosa e contou com calma e afeto sobre a morte do cunhado e os
cuidados com a irmã Magda. Disse que confiava nos sobrinhos para tomarem as
providências necessárias. E recuperou uma frase muito usada pelos velhos da
família: Não me meto, nem dou opinião, se não me pedem. Não poderia ser
mais sensata. Estaria tudo bem.
No terceiro dia, Helga chamou novamente,
pelo telefone. Dessa vez foi Rosa quem atendeu. Helga ainda chorava muito,
desconsolada. Rosa ouviu as perguntas, os lamentos. Concordou que o marido da
Magda fora muito dedicado. Então resolveu consolar a prima. É verdade: eles eram
tão ligados! Por isso, fique tranquila, que logo ele volta para leva-la. Helga levou
um susto. Gastou alguns segundos para assimilar o que Rosa dissera, nas
entrelinhas. Reagiu. Não! Isso não! Mas Rosa insistiu, com a voz doce, tranquilizadora.
Eu já testemunhei tantas situações assim, com casais amigos, muito ligados entre si. Quando um vai
embora, logo providencia de levar o que ficou para trás.
O marido de Helga morrera há
muitos anos. Nunca voltou para leva-la. A essas alturas, Helga não sabia o que
pensar: o vínculo do marido morto com ela não teria sido forte o suficiente?
Ela deveria se lastimar por isso, ou deveria respirar aliviada por ainda estar
viva? Preferiu não continuar pensando a esse respeito. Engoliu em seco. Perdeu o
fio da conversa com a prima. Perdeu a vontade de chorar. Logo se despediu,
mandou um beijo para a velha tia, mãe de Rosa e Felinta. Rosa achou graça da
reação da prima. Deu de ombros e foi preparar o lanche para a mãe que não
demoraria a despertar do sono da tarde.
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