Naquele dia, eu apresentaria meu trabalho no evento que tratava de arte e tecnologia. O tema surgira a partir das discussões nas aulas com ele, que eram de uma riqueza de debates, abertas à pluralidade de ideias, às diferenças de posição. Antes de tudo, eram aulas de civilidade, de alteridade e de paixão pelo conhecimento e pela cultura.
Quando cheguei à porta do Instituto, eu o encontrei sentado num banco de alvenaria, me aguardando. Levava consigo a inseparável pasta preta, onde guardava papéis com anotações. O cabelo muito branco refletia a luz matutina. A esposa o deixara ali mais cedo, antes de iniciar as suas aulas. Ele sorriu-me, e eu fiquei exultante com a surpresa. Seguimos juntos para o auditório. Ouviu-me, com a atenção que lhe era peculiar, falar sobre o filme Blade Runner, sobre ficção científica, imaginário social, noção de futuro. Sua presença ali foi a chancela para o projeto de pesquisa no doutorado.
Um mestre, um grande
mestre.
Fiz duas disciplinas com ele, durante o doutorado, ele participou da minha banca de qualificação. Ouvi-lo era sempre como desbravar territórios inaugurais de possibilidades de pensamento. Acompanhá-lo transitando entre as diferenças, as divergências, era sempre um conjunto de lições de diplomacia, de alteridade, de civilidade. E de afeto. E de humor.
Um mestre, um grande mestre.
Durante a pandemia, soube que estava lutando contra o mal de
Parkinson, no Rio de Janeiro. Conversei algumas vezes com a professora Bárbara Freitag, sua
esposa, de quem também fui aluna, e por quem cultivo especial respeito e afeto.
Hoje, o professor Sergio Paulo Rouanet nos deixou. O mundo fica mais pobre nas
possiblidades para viver na diversidade, para dialogar na divergência. Sou mesmo
uma pessoa privilegiada: hoje perdi um mestre, mas ele permanece na pesquisadora
em que me tornei, de cuja formação ele tomou parte fundamental.
Deve agora inaugurar animadas mesas de debate sobre cultura,
pensamento social, política, filosofia e arte em outras dimensões.
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