No último dia 21 de abril, Brasília completou 62 anos. Acabei não me manifestando a respeito, embora estivesse atenta ao processo de amadurecimento da cidade. E também embora hoje eu reconheça que se há algum lugar em relação ao qual eu tenha sentimentos muito fundos de pertencimento, esse lugar é Brasília.
E porque no mesmo dia 21 de abril eu tenha sido surpreendida
por uma experiência particular e especial, decidi compartilhá-la, para
esclarecer: quem desqualifica a capital federal ou não a conhece em sua dimensão
de espaço de se viver, ou não tem a menor ideia do que seja qualidade de vida.
Em primeiro lugar, é necessário dizer que Brasília não é a
Esplanada dos Ministérios, nem a Praça dos Três Poderes (hoje, território de
guerras...). A maior parte da população que vive no Distrito Federal muito
raramente transita nesses espaços. Muitos nunca chegaram até ali. Esse
território, em segundo lugar, é ocupado por políticos e profissionais vindos de
todas as partes do país, cuja permanência não dura muito mais do que uma gestão.
Em segundo lugar, em territórios outros, que nada devem à Esplanada dos Ministérios
e à Praça dos Três Poderes, as pessoas tecem os seus viveres, numa cidade que
oferece condições diferenciadas para tanto.
Dona Francisca foi minha vizinha de porta durante décadas. E
dedicou-se a plantar pequenos arbustos e mudas de árvores frutíferas do outro lado da
calçada que separava o jardim do prédio e o grande gramado central da quadra.
Ali cresceram, então, vários pés de seriguela, acerola, mamão, dentre outras.
Também marquei presença com um pé de pitanga que já se tornou uma pequena árvore. As plantas cresceram, criando
uma espécie de corredor de sombras frescas sobre a calçada pela qual as pessoas passam,
em suas caminhadas.
Por ali, segui também eu, pelo meio da manhã do dia 21 de abril, quando me
deparei com um conjunto de trabalhos de arte pousados junto aos troncos e entre
os galhos daquelas árvores. Fui tomada pelo espanto: de entre o chão coberto
por folhas secas, enroscados entre galhos, já modificados pelas intempéries do
clima (calor, chuva, poeira, etc.), repousavam grandes flores coloridas, peixes
recortados em papelão ou madeira, trabalhos realizados com material de sucata.
Soube, pelo Seu Antônio, que um senhor, também morador do prédio, precisou se aposentar precocemente em razão de problemas graves
de saúde. A partir de então, passou a produzir aquela linha de trabalhos. Alguns
são vendidos. Mas a maior parte é destinada a integrar a paisagem, como aqueles
que me surpreenderam.
Respiro fundo e volto a caminhar. Isso é Brasília. E me faz
bem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário