sábado, 9 de novembro de 2019

Cansaço e desalento



8 de novembro de 2019, sexta feira, fim de tarde. A semana foi intensa, com atividades incessantes, e alguns momentos tensos, nos quais foi necessário que eu trabalhasse questões bem difíceis. Os dias e as noites têm sido assim há tempos. E eu tenho me queixado, cada vez mais amiúde, de cansaço. Não só eu. As queixas de cansaço espalham-se como uma patologia social contagiosa que vai atingindo uma parcela importante da população, das pessoas com quem convivo, com quem compartilho, em alguma medida, atividades, projetos, afetos, utopias. Temos nossas energias exauridas, sem encontrarmos solução, antídoto, remédio.

Byung-Chul Han já escreveu sobre a sociedade do cansaço. Jonathan Crary já discorreu sobre os efeitos perversos de uma sociedade que passa a exigir de seus cidadãos estarem despertos e ativos 24 horas por dia, 7 dias por semana. Os argumentos de ambos são consistentes, fundamentados. Mas minha exaustão parece ter mananciais que vão além, a despeito de integrarem, sim, as malhas do contexto em análise pelos dois autores. Eu poderia até praticar meditação, buscar outros subterfúgios, modificar a alimentação: o esgotamento persiste intocado, e me abate.

Mesmo assim, também por razões que tantas vezes me escapam, não desisto nem arredo da labuta diária, defendendo posições, propondo projetos, compartilhando aprendizagens. Pensando e buscando praticar empatia, solidariedade, poiésis...

8 de novembro de 2019, sexta feira, fim de tarde. Eu estava prostrada sobre alguma almofada, em casa, quando passou a ser televisionada a soltura do Lula, depois de quase 600 dias de prisão. Havia expectativa em relação a esse momento. Entre a multidão, ele falava com desenvoltura, energia. Agradeceu a um número enorme de pessoas. Desculpou-se com aqueles cujos nomes, inevitavelmente, teria esquecido. E prosseguiu em seu discurso de improviso, entre alegrias, aplausos, abraços e uma constelação de câmeras fazendo o registro. Com humor mas de modo assertivo, sem perder poder de ataque, posicionou-se em relação a tudo quanto que ele foi e que está sendo submetido, mas, sobretudo, ao que a população brasileira está sendo submetida.

Enquanto assistia à transmissão, outra sequência era repassada na memória: a sessão interminável, na Câmara dos Deputados, para a votação aprovando a abertura do processo de impeachment, pelo Senado, da então presidenta Dilma Rousseff. Um evento de que me evergonho, sem cura, sem lenitivos. Naquele dia, 17 de abril de 2016, eu vi a face mais obscura, amedrontadora da classe política brasileira. Naquele dia, eu vi a face da maioria dos representantes da população brasileira que, mais tarde eu seria obrigada a admitir, de fato representavam, e ainda representam, os anseios e o projeto social de boa parte das gentes nascidas neste país, marcadamente injusto, discricionário, autoritário.

Naquele dia, em abril de 2016, eu entristeci de uma dor que ainda não saiu de mim. A sessão ocorrida no Senado, no dia 31 de agosto de 2016 já não impactou tanto: estava tudo acertado, os resultados haviam sido negociados por antecedência. Não havia o que doer a mais: eu já me encontrava sob a égide da dor.

Desde então, a cada passo, o desmonte de um projeto político social imaginado, depois comprovado como viável, se não plenamente, ao menos em muitas frentes, foi sendo desmontado a passos largos. Nenhum motivo de alegria. Nenhuma brisa para refrescar os dias. Chuvas cada vez mais escassas para dar tom verde à paisagem.

Ontem, 8 de novembro de 2019, sexta feira, fim de tarde, isso tudo reascendeu em minha memória mais funda e mais afetiva. Eu entendi que minha exaustão decorre, sim, do excesso de trabalho, das tensões, das demandas que invadem a vida 24 horas por dia, 7 dias na semana, sem pausa. Byung-Chul Han e Jonathan Crary acertam em suas argumentações. Mas há outra fonte na qual esse cansaço se torna quase incurável. Essa fonte está no desalento, na falta de esperança. E ontem eu lembrei de um tempo quando eu tive esperança. Mais que isso, um tempo quando, com alegria, eu pude celebrar com quantas pessoas pequenas conquistas sociais, no âmbito dos projetos educativos, da arte, da cultura, dentre quantos outros.

Então eu chorei. Chorei muito. Depois dormi profundamente. E consegui sonhar. Um sonho breve, que logo se dissipou para a vida desperta. Mas sonhei.





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