8 de novembro de 2019, sexta feira, fim de tarde. A semana
foi intensa, com atividades incessantes, e alguns momentos tensos, nos
quais foi necessário que eu trabalhasse questões bem difíceis. Os dias e as noites têm sido
assim há tempos. E eu tenho me queixado, cada vez mais amiúde, de cansaço. Não só
eu. As queixas de cansaço espalham-se como uma patologia social contagiosa que vai
atingindo uma parcela importante da população, das pessoas com quem convivo, com
quem compartilho, em alguma medida, atividades, projetos, afetos, utopias. Temos nossas
energias exauridas, sem encontrarmos solução, antídoto, remédio.
Byung-Chul Han já escreveu sobre a sociedade do cansaço. Jonathan
Crary já discorreu sobre os efeitos perversos de uma sociedade que passa a
exigir de seus cidadãos estarem despertos e ativos 24 horas por dia, 7 dias por
semana. Os argumentos de ambos são consistentes, fundamentados. Mas
minha exaustão parece ter mananciais que vão além, a despeito de
integrarem, sim, as malhas do contexto em análise pelos dois autores. Eu poderia até praticar meditação, buscar outros subterfúgios, modificar a alimentação: o esgotamento persiste intocado, e me
abate.
Mesmo assim, também por razões que tantas vezes me escapam, não desisto nem arredo da labuta diária, defendendo posições, propondo projetos, compartilhando aprendizagens.
Pensando e buscando praticar empatia, solidariedade, poiésis...
8 de novembro de 2019, sexta feira, fim de tarde. Eu estava
prostrada sobre alguma almofada, em casa, quando passou a ser televisionada a
soltura do Lula, depois de quase 600 dias de prisão. Havia expectativa em relação a esse momento. Entre a multidão, ele falava com desenvoltura, energia. Agradeceu a um número enorme de pessoas. Desculpou-se com aqueles cujos
nomes, inevitavelmente, teria esquecido. E prosseguiu em seu discurso de improviso, entre alegrias, aplausos, abraços e uma constelação de câmeras fazendo o registro. Com humor mas de modo assertivo, sem perder poder de ataque, posicionou-se em relação a tudo quanto que ele foi e que está sendo submetido, mas, sobretudo, ao que a população
brasileira está sendo submetida.
Enquanto assistia à transmissão, outra sequência
era repassada na memória: a sessão interminável, na Câmara dos Deputados,
para a votação aprovando a abertura do processo de impeachment, pelo Senado, da
então presidenta Dilma Rousseff. Um evento de que me evergonho, sem cura, sem
lenitivos. Naquele dia, 17 de abril de 2016, eu vi a face mais obscura, amedrontadora
da classe política brasileira. Naquele dia, eu vi a face da maioria dos
representantes da população brasileira que, mais tarde eu seria obrigada a admitir, de fato
representavam, e ainda representam, os anseios e o projeto social de boa parte
das gentes nascidas neste país, marcadamente injusto, discricionário, autoritário.
Naquele dia, em abril de 2016, eu entristeci de uma dor que ainda não saiu de
mim. A sessão ocorrida no Senado, no dia 31 de agosto de 2016 já não impactou
tanto: estava tudo acertado, os resultados haviam sido negociados por
antecedência. Não havia o que doer a mais: eu já me encontrava sob a égide da
dor.
Desde então, a cada passo, o desmonte de um projeto político
social imaginado, depois comprovado como viável, se não plenamente, ao menos em muitas frentes, foi sendo
desmontado a passos largos. Nenhum motivo de alegria. Nenhuma brisa para
refrescar os dias. Chuvas cada vez mais escassas para dar tom verde à paisagem.
Ontem, 8 de novembro de 2019, sexta feira, fim de tarde,
isso tudo reascendeu em minha memória mais funda e mais afetiva. Eu entendi que
minha exaustão decorre, sim, do excesso de trabalho, das tensões, das demandas
que invadem a vida 24 horas por dia, 7 dias na semana, sem pausa. Byung-Chul Han e Jonathan Crary acertam em suas argumentações. Mas há outra fonte na qual esse cansaço se torna quase incurável. Essa fonte está no desalento, na falta de esperança. E ontem eu lembrei de um tempo
quando eu tive esperança. Mais que isso, um tempo quando, com alegria, eu pude celebrar com quantas pessoas pequenas conquistas sociais, no âmbito dos projetos educativos, da
arte, da cultura, dentre quantos outros.
Então eu chorei. Chorei muito. Depois dormi profundamente. E consegui
sonhar. Um sonho breve, que logo se dissipou para a vida desperta. Mas sonhei.
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