sábado, 10 de agosto de 2019

Das instituições nosocomiais





A palavra nosocômio, do ponto de vista etimológico, tem sua origem no grego, e resulta da articulação de duas ideias: doença e processo de curar: νόσος (nósos, "doença") + κομέω (komeo, "curar") Assim, as instituições nosocomiais constituiriam naqueles espaços onde se deveria promover a cura para as doenças. 

Contudo, trazendo-se o conceito de nosocômio para o contexto da sociedade capitalista, de consumo e descarte, é preciso perguntar como se concebe a ideia de cura.

Nas instituições nosocomiais, os nossos hospitais, se realiza um enorme e complexo conjunto de procedimentos, desde os mais simples, como consultas breves, a cirurgias delicadas e demoradas, além de internações de longa duração. Em todas essas situações, a noção de cura que se pratica é tão parcial, tão fragmentária e reduzida, que acaba implicando na promoção de outros adoecimentos, muitos.

Explico-me. Um paciente procura uma emergência queixando-se de algum mal. A equipe logo trata de verificar uma causa possível, imediata, para o tal mal. Fazem-se exames. Chega-se a uma possibilidade de causa. Então aplicam-se os procedimentos considerados, ao momento, como os mais adequados para neutralizar ou abafar a causa, de modo pontual. Contudo, desses procedimentos desdobram-se efeitos colaterais de toda sorte, desde escarificações, lesões na pele, infecções por contaminação, até problemas e adoecimento de outros órgãos em razão das medicações.

Assim, o paciente pode até ter minimizado o mal que o levou ao nosocômio, mas são sempre grandes as chances de que deixe a instituição levando, em sua bagagem, uma coleção de problemas outros, os quais exigirão, também, novos cuidados e procedimentos... Numa espiral sem interrupção. Ou melhor, que se interrompe apenas com a morte.

A instituição nosocomial na sociedade capitalista, de consumo e descarte, é regida por um modelo cuja meta é assegurar que seus pacientes resolvam seus problemas apenas parcialmente, não fiquem de todo curados. É preciso certificar-se de que eles retornarão para, assim, manter os fluxos da própria instituição. Sobretudo, os fluxos financeiros.

Nesses termos, envidam-se esforços para que o paciente não morra. "Fizemos tudo quanto estava ao nosso alcance..."  Os lucros cessam quando o paciente morre. Mas também é preciso garantir que não se alcance a cura mais eficiente. Afinal, paciente sadio também não é lucrativo para a instituição.

Essa lógica perversa deixa pacientes e funcionários em todos os quadros vulneráveis e infensos aos processos de adoecimento, de ferimento, escarificação da saúde.

Os nosocômios, como funcionam hoje, não são lugares de curar a doença, em seu sentido mais fundo. Sobrepõe-se, a esse sentido, um outro: o dos lugares de se fazerem negócios. Tratam-se dos negócios e dos negociantes que dependem da doença, que precisam dela. Portanto, ao final, não passam de lugares de adoecer. Tópos árrostos. Sem alento.








Em tempo, toma-se a palavra nosocômio como se fora sinônimo de hospital, o que é um equívoco. Seus sentidos e suas histórias são bem distintas. A palavra hospital tem a mesma raiz de hotel, ou do francês hostel. Elas derivam do latim hospes (que também resulta na palavra hóspede), e significa “aquele que é recebido”. Hostel, hospital, hospitaleiro, hóspede formam um conjunto de palavras que se reportam ao latim medievo “hospitale”. A noção de hospital que se originou referia-se à instituição voltada para o acolhimento e cuidado dos necessitados em geral.

As palavras hospital e hotel possuem a mesma raiz etimológica – ambas derivam do latim hospes, que significa "aquele que é recebido". Quanto ao vocábulo hotel, o mesmo surgiu do francês hôtel, que no século XIII era chamado de hostel em referência ao latim medieval hospitale. Já a ideia de hospital nasceu da necessidade de distinguir a instituição que acolhia e cuidava dos necessitados em geral.

A palavra hospício integra também essa família, designando casas que hospedavam pessoas doentes, velhos e crianças abandonadas. Só mais tarde é que foi associado mais especificamente a lugares para onde se recolhem pessoas com problemas mentais. Sempre os desafortunados, os que não têm lugar nas malhas sociais.

Seria possível relacionar a palavra hospício, portanto, a manicômio. Contudo, manicômio, de origem grega, também se refere a lugar de cura dos problemas que afetam o comportamento: manias, loucuras, iras.

Assim, do ponto de vista etimológico, os sentidos de hospício e manicômio não coincidem, do mesmo modo que os sentidos de hospital e nosocômio.




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