A palavra nosocômio, do
ponto de vista etimológico, tem sua origem no grego, e resulta da articulação de duas
ideias: doença e processo de curar: νόσος (nósos, "doença") + κομέω
(komeo, "curar") Assim, as instituições nosocomiais constituiriam
naqueles espaços onde se deveria promover a cura para as doenças.
Contudo, trazendo-se o
conceito de nosocômio para o contexto da sociedade capitalista, de consumo e
descarte, é preciso perguntar como se concebe a ideia de cura.
Nas instituições nosocomiais, os nossos hospitais, se realiza um enorme e complexo conjunto de procedimentos, desde os mais simples, como consultas
breves, a cirurgias delicadas e demoradas, além de internações de longa duração.
Em todas essas situações, a noção de cura que se pratica é tão parcial, tão
fragmentária e reduzida, que acaba implicando na promoção de outros
adoecimentos, muitos.
Explico-me. Um paciente
procura uma emergência queixando-se de algum mal. A equipe logo trata de
verificar uma causa possível, imediata, para o tal mal. Fazem-se exames. Chega-se a uma possibilidade de causa. Então aplicam-se os procedimentos considerados, ao momento, como os mais adequados para neutralizar ou abafar a causa, de modo pontual. Contudo, desses procedimentos
desdobram-se efeitos colaterais de toda sorte, desde escarificações, lesões
na pele, infecções por contaminação, até problemas e adoecimento de outros
órgãos em razão das medicações.
Assim, o paciente pode até ter
minimizado o mal que o levou ao nosocômio, mas são sempre grandes as chances de
que deixe a instituição levando, em sua bagagem, uma coleção de problemas outros, os quais exigirão, também, novos cuidados e procedimentos... Numa espiral sem interrupção. Ou melhor, que se interrompe apenas com a morte.
A
instituição nosocomial na sociedade capitalista, de consumo e descarte, é regida por um modelo cuja meta é assegurar que seus pacientes resolvam seus problemas apenas parcialmente, não fiquem de todo curados. É preciso
certificar-se de que eles retornarão para, assim, manter os fluxos da própria instituição. Sobretudo, os fluxos financeiros.
Nesses termos, envidam-se esforços para que o paciente não morra. "Fizemos tudo quanto estava ao nosso alcance..." Os lucros cessam quando o paciente
morre. Mas também é preciso garantir que não se alcance a cura mais eficiente. Afinal,
paciente sadio também não é lucrativo para a instituição.
Essa lógica perversa deixa
pacientes e funcionários em todos os quadros vulneráveis e infensos aos
processos de adoecimento, de ferimento, escarificação da saúde.
Os nosocômios, como funcionam
hoje, não são lugares de curar a doença, em seu sentido mais fundo. Sobrepõe-se, a esse sentido, um outro: o dos lugares de se fazerem negócios. Tratam-se dos negócios e dos negociantes que dependem da doença, que precisam dela. Portanto, ao final, não passam de lugares de adoecer. Tópos árrostos. Sem alento.
Em tempo, toma-se a palavra
nosocômio como se fora sinônimo de hospital, o que é um equívoco. Seus sentidos e suas histórias são bem
distintas. A palavra hospital tem a mesma raiz de hotel, ou do francês hostel. Elas
derivam do latim hospes (que também resulta na palavra hóspede), e significa “aquele
que é recebido”. Hostel, hospital, hospitaleiro, hóspede formam um conjunto de
palavras que se reportam ao latim medievo “hospitale”. A noção de hospital que
se originou referia-se à instituição voltada para o acolhimento e cuidado dos necessitados
em geral.
As palavras hospital e hotel possuem a mesma raiz etimológica – ambas derivam do latim hospes, que
significa "aquele que é recebido". Quanto ao vocábulo hotel, o mesmo surgiu
do francês hôtel, que no século XIII era chamado de hostel em referência ao
latim medieval hospitale. Já a ideia de hospital nasceu da necessidade de
distinguir a instituição que acolhia e cuidava dos necessitados em geral.
A palavra hospício integra
também essa família, designando casas que hospedavam pessoas doentes, velhos e
crianças abandonadas. Só mais tarde é que foi associado mais especificamente a lugares
para onde se recolhem pessoas com problemas mentais. Sempre os desafortunados,
os que não têm lugar nas malhas sociais.
Seria possível relacionar a
palavra hospício, portanto, a manicômio. Contudo, manicômio, de origem grega,
também se refere a lugar de cura dos problemas que afetam o comportamento:
manias, loucuras, iras.
Assim, do ponto de vista etimológico,
os sentidos de hospício e manicômio não coincidem, do mesmo modo que os
sentidos de hospital e nosocômio.
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