Na cidade, multiplicam-se os cruzamentos, cheios de carros
conduzidos por motoristas nervosos, inquietos a cada espera. Há fuligem no ar. Tensão.
Em muitos desses cruzamentos, nalguns horários do dia, ou da
noite, artistas de rua quebram a aspereza da paisagem, com gestualidades,
habilidades, bailados, artimanhas que, em breves segundos, capturam o olhar, algum
suspense, algum riso, encantamentos fugazes.
Hoje pela manhã, um rapaz muito jovem trajado e maquiado
para um espetáculo posturou-se, diante dos carros, dentre os quais o meu, que
aguardavam o sinal verde para avançar. Ninguém estava ali para ver apresentações de
arte: todos tinham urgências, queriam seguir. Mas ele ignorou
tal impaciência: tomou uma bola de vidro, transparente, e a colocou para bailar
sobre seus braços, equilibrar-se entre as mãos, rodar sobre seu rosto. Pareciam
flutuar: ele e a pequena bola, entre seus gestos ágeis, leves, precisos.
Por um
instante, esqueci-me dos automóveis, e deixei-me enlevar pela visão do
rapaz com sua bola. Depois percebi que o tempo do semáforo já estava acabando, e ele
prosseguia com o número, talvez também encantado com a própria dança. Busquei algum
trocado na bolsa e, finda a apresentação, agitei os braços, para que ele me
visse, e viesse pegar o dinheiro.
Quando ele chegou, com um sorriso largo, eu
lhe disse: “Cara, isso, da bola, é foda!” Então sua voz me soou familiar, e
ele respondeu: “Obrigado, professora”, e saiu correndo. Os carros já avançavam.
Fui pega de surpresa. Professora! Sua voz, familiar, continuou reverberando nos meus ouvidos: “Obrigado, professora”,
e eu comecei a chorar. Chorei como criança. Pensava no meu papel, como
professora, na vida dessas pessoas. Pensava no quanto precisamos ter em vista a
dimensão humana, a poesia, entre o trabalho árduo, em nossos ofícios. Pensando nisso,
e entre lágrimas, segui, na velocidade do fluxo, cada vez mais distante daquele
encontro.
À tarde, quando voltei, já não mais havia artistas no
cruzamento. Ele concluíra a jornada do dia (do mesmo modo que a vendedora de
águas de outro cruzamento, e a vendedora de docinhos num terceiro...). Sua
missão fora cumprida: seu gesto e sua voz vibravam ainda em meu coração.
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