sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Obrigado, professora!



Na cidade, multiplicam-se os cruzamentos, cheios de carros conduzidos por motoristas nervosos, inquietos a cada espera. Há fuligem no ar. Tensão.

Em muitos desses cruzamentos, nalguns horários do dia, ou da noite, artistas de rua quebram a aspereza da paisagem, com gestualidades, habilidades, bailados, artimanhas que, em breves segundos, capturam o olhar, algum suspense, algum riso, encantamentos fugazes.

Uns fazem malabarismos com facões, bolas, garrafas... Outros tocam violino. Há os que sobem em escadas sem apoio. Outros brincam com fogo, noite adentro...

Hoje pela manhã, um rapaz muito jovem trajado e maquiado para um espetáculo posturou-se, diante dos carros, dentre os quais o meu, que aguardavam o sinal verde para avançar. Ninguém estava ali ver apresentações de arte: todos tinham urgências, queriam seguir. Mas ele ignorou tal impaciência: tomou uma bola de vidro, transparente, e a colocou para bailar sobre seus braços, equilibrar-se entre as mãos, rodar sobre seu rosto. Pareciam flutuar: ele e a pequena bola, entre seus gestos ágeis, leves, precisos. 

Por um instante, esqueci-me dos automóveis, e deixei-me enlevar pela visão do rapaz com sua bola. Depois percebi que o tempo do semáforo já estava acabando, e ele prosseguia com o número, talvez também encantado com a própria dança. Busquei algum trocado na bolsa e, finda a apresentação, agitei os braços, para que ele me visse, e viesse pegar o dinheiro. 

Quando ele chegou, com um sorriso largo, eu lhe disse: “Cara, isso, da bola, é foda!” Então sua voz me soou familiar, e ele respondeu: “Obrigado, professora”, e saiu correndo. Os carros já avançavam.

Fui pega de surpresa. Professora! Sua voz, familiar, continuou reverberando nos meus ouvidos: “Obrigado, professora”, e eu comecei a chorar. Chorei como criança. Pensava no meu papel, como professora, na vida dessas pessoas. Pensava no quanto precisamos ter em vista a dimensão humana, a poesia, entre o trabalho árduo, em nossos ofícios. Pensando nisso, e entre lágrimas, segui, na velocidade do fluxo, cada vez mais distante daquele encontro.

À tarde, quando voltei, já não mais havia artistas no cruzamento. Ele concluíra a jornada do dia (do mesmo modo que a vendedora de águas de outro cruzamento, e a vendedora de docinhos num terceiro...). Sua missão fora cumprida: seu gesto e sua voz vibravam ainda em meu coração.




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