Quando o semáforo acende a luz vermelha, e o fluxo de carros
para, em aguardo, a mulher rapidamente começa a dependurar no espelho retrovisor
de cada um deles um pacote de balas refrescantes, com um cartãozinho que fica
na direção do olhar do motorista. Nele, está escrito o pedido de ajuda em dinheiro.
Ela calcula aproximadamente o tempo de que dispõe para distribuir um pacote
para cada carro, em uma fileira, depois recolher um a um, eventualmente
recebendo o dinheiro de alguém, antes que o sinal acenda a luz verde. Nunca vi
ninguém entregando dinheiro a ela...
Hoje ela passou por mim, acomodando as balas nos retrovisores. Não
demorou para que passasse correndo de volta até o início da fila de carros, e
rapidamente recolhesse os pacotes, quase correndo. Imaginei a aflição dela ante a possibilidade de perder a mercadoria. Ainda teve tempo para voltar
ao ponto de partida, antes que o sinal ficasse verde para o fluxo de automóveis.
Perguntei-me quantas vezes ela repetia aquele percurso,
durante o tempo que fica ali, tentando amealhar alguns trocados. A roupa é
escura, sob o sol intenso de quase 35ºC. Usa um chapéu também escuro, com um
pano traseiro que lhe protege a nuca e as costas. A blusa tem mangas compridas,
para proteger os braços. Completam o vestuário dela uma calça jeans justa, e
uma sandália de plástico que insiste em lhe escapar dos pés. É o calçado com que ela alterna
corridas e caminhadas rápidas nas idas e vindas, no cruzamento.
O sinal verde acendeu, e eu segui, com o fluxo dos carros. Adiante, outro cruzamento, em obras. No trânsito muito lento e confuso, as pessoas ficam ainda mais nervosas, e insistem em avançar mesmo quando isso resulta na insegurança sua e
dos demais. Há poeira, terra solta, desníveis na rua, buracos no asfalto, desvio
de fluxo. Em meio ao tumulto que já se vai tornando rotina, dois rapazes tentavam
fazer o percurso a pé, empurrando um pesado e carregado carro para coleta de sucata. Eles foram atravessando à frente dos carros, que pararam com impaciência. O carro
de mão caiu num dos buracos do desvio. Os rapazes tiveram que erguê-lo com a força
braçal. Seguiram, precariamente, até sair do outro lado, quase em segurança. Na
lona azul de um dos lados do carro de mão estava escrito, em letras brancas: “Deus
é fiel. Tudo pode quem nele crê”.
Eles enveredaram por uma rua à direita. Eu segui o fluxo à frente e
os perdi de vista.
A vida é precária... e passa que a gente nem vê...
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