p/ o Renato
Nosso voo saiu depois do meio dia, e teria duração de mais
de três horas. Como os procedimentos no balcão de bagagens, na polícia, na aduana,
etc. em geral são demorados (e de fato demoraram), foram iniciados bem antes do
horário do almoço. Por isso, quando embarcamos, ninguém tinha almoçado. Alguns se
anteciparam ao voo, servindo-se com algum sanduíche vendido a preço de ouro em
lanchonetes do aeroporto, instaladas na área do embarque. Assim, já durante a
viagem, quando os comissários de voo começaram a servir o lanche, que consistia
num sanduíche com recheio de presunto e queijo e um copo de algum suco de
caixinha, a maior parte dos passageiros alegrou-se, apesar do menu precário.
Mas, à minha frente, uma senhora esperou calmamente todos
serem servidos. Buscou, então, em sua bagagem, uma sacolinha de papel, de onde
retirou uma cenoura crua. Sentada em sua poltrona, com ares de meditação,
passou a degusta-la. Cada mordida era seguida de longas e incontáveis
mastigadas. Concentrada em sua atividade, comeu duas cenouras cruas inteiras. A
certa altura, até pegou o sanduíche que lhe fora entregue. Abriu-o, e eu
cheguei a pensar que a cenoura teria sido apenas um aperitivo. Ela iria ceder
ao chamado do sanduíche! Enganei-me. Fez um discreto gesto de repulsa, e largou
o sanduíche sobre a mesinha, retornando ao último pedaço de cenoura entre os
dedos.
Depois amassou a sacolinha e a descartou enquanto os comissários
de voo recolhiam copos e plásticos e outros restos deixados pelos demais pobres
mortais passageiros, tão susceptíveis ao chamado de sanduíches feitos com produtos
processados, e sucos enlatados carregados com açúcares tão nocivos à saúde.
O gesto da senhora da cenoura tinha um traço de
distanciamento. Flutuava além dos vícios alimentares terrenos, tão afeitos à
sociedade industrial do sistema capitalista.
Ora, dizei-me o que comeis, e direi que, a despeito das
diferenças e divergências, eu ainda prefiro a diversidade de possibilidades!
Bom apetite!
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