domingo, 1 de janeiro de 2017

Cu de petiço


Meu tio querido nos ligou, antes de acabar o ano. É sempre uma alegria falar com ele, e ouvir-lhe as palavras de afeto. Queixei-me que sentia saudades. Para ele, a solução era simples: por que eu não ia até lá, para vê-lo? Você não tem férias? Mais ou menos, lhe respondi, tentando explicar o imbróglio do calendário da universidade... Pensei na complicação de explicar sobre as ocupações, preferi falar que tinha havido greve, que eu teria de repor aulas em janeiro, assim eu teria férias, mas não seriam férias como deveriam ser... e já ia achando aquela conversa imprópria para aquele momento, para aquela alegria, então fui encerrando as explicações. Ele ouviu tudo e, quando eu calei, ele me perguntou: Você sabe o que é mais ou menos? Pressenti que me aguardava, à frente, alguma piada, e decidi me entregar a ela. Não, tio, o que é? Você não sabe o que é mais ou menos? A repetição da pergunta já tinha uma pitada de deboche, uma provocação. Ele não deixaria por menos: como eu, professora universitária, não sabia o que era mais ou menos? Insisti que não sabia. O que é mais ou menos, tio? Ele fez uma pausa performática, criando algum suspense, dominando a cena. E disse, inicialmente muito sério: Mais ou menos é... cu de petiço (1). E desatou a rir. E eu também. Sempre acontece assim: ele começa a contar uma piada, e então começa a rir, e ri tanto, que muitas vezes nem consegue contar a piada direito. Mas seu riso é contagiante, e a gente ri junto, mesmo sem entender a piada. Não foi esse o caso. Eu entendi o cu de petiço. E por isso mesmo ria mais ainda, com ele. Mas ele avançou e, numa pausa entre-risos, decidiu explicar: é que o cu de petiço não é nem muito alto nem muito baixo, é mais ou menos. E caiu na gargalhada de novo. A estas alturas, eu já ria solto dele e da explicação dada. Então ele me perguntou: Você está em Brasília? Como está o presidente? Como é mesmo o nome dele? Esqueci... Ah, aquele cu de petiço! E desatou a rir de novo. Depois de mais algumas tentativas de emplacar alguns outros assuntos, voltando sempre às gargalhadas, começamos a nos despedir. Então ele desejou um feliz 2017. Que o ano novo não seja... um cu de petiço!

Ele se ria tanto, que quase não conseguiu desligar o telefone. Nem eu.

Que 2017 não seja um cu de petiço. E se for, que nós possamos debochar e rir, rir tanto a ponto de ficarmos frouxos de riso.




(1)   Petiço: diz-se de ou cavalo ou muar de pequeno tamanho ou de pernas curtas.


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