sábado, 15 de agosto de 2015

Queimem a bruxa na fogueira!


Nem faz tanto tempo assim. Na Idade Média, período ao qual os "iluminados" dos séculos XX e XXI chamam, também, de Idade das Trevas, um dos eventos recorrentemente lembrados como exemplo da ignorância imperante à época é a caça às bruxas. A bem da verdade, embora se atribua à Idade Média, a caça às bruxas aconteceu na Europa do início do período moderno, do final do século XIV ao começo do século XVIII. Destaca-se o fato de que a Suíça tenha sido o país europeu que mais promoveu execuções (muito pouco se fala disso...), e Friburgo foi terceira cidade europeia no ranking de execuções. Foi também uma das primeiras cidades a instituir os processos por bruxaria sem a assistência de inquisidores religiosos.

Era preciso haver uma confissão, para que uma bruxa fosse condenada. Mas não era muito difícil fazer uma mulher confessar práticas de bruxaria. Bastava quebrar-lhe as pernas, arrancar-lhe as unhas, afogá-la. O suplício da tortura era tão insuportável, que a fogueira comparecia como uma possibilidade de libertação do inferno. (Sem dúvidas, foi uma escola inestimável aos centros de tortura física existentes ainda hoje).

Não raro, as narrativas a esse respeito reportam a ignorância vigente e a manipulação da igreja, resultando, entre tantos fatos, em cruéis atos punitivos de cunho religioso. Mulheres que desenvolvessem quaisquer práticas consideradas estranhas, diferenciadas, podiam ser apontadas como bruxas. Acusadas, muitas eram levadas à fogueira, pois a morte pelo fogo seria a única forma de depurar e salvar o espírito corrompido pelo corpo.

Estima-se ter havido entre 40 mil e 100 mil execuções em quatro séculos, na Europa. Provavelmente, mais de meia centena de milhares de mulheres foram queimadas vivas em fogueiras públicas, por se atreverem a desenvolver práticas desaprovadas pelos homens santos da igreja, pelos senhores do poder. Uma história inequívoca e trágica de discriminação e exercício do poder masculino no jugo das mulheres.

Mas há de se notar: essa história não acabou...

Mudam os séculos, mudam os modos de organização social, mudam os homens santos (que são sempre homens...), mudam as igrejas, mudam os sacerdotes e os senhores do poder (que são sempre homens...). Mudam as fogueiras e as práticas de bruxaria... Mas não mudam as relações de poder.

No Brasil, o machismo ganha feições variadas, muitas vezes dissimulado, mas também configurando assustadores dados estatísticos na forma em violência explícita, de ordem física ou moral. 

Neste momento, uma bruxa está sendo levada à fogueira. Para legitimar o ato, os santos (?!!) sacerdotes convocam o clamor popular. Pergunto: que crimes cometeu a bruxa? Vamos lá, deixemos a razão conduzir nossa reflexão. Ela não terá cometido mais crimes, nem piores, do que os cometidos pelos homens que a precederam, ou pelos que a sucederão. (Sim, ela será sucedida por homens: eles decidiram que se acabou a brincadeira...). O crime maior dessa bruxa em julgamento sumário foi, sendo mulher, atrever-se a querer jogar o jogo dos homens, com os homens. Bruxa!

Não vai aqui nenhuma defesa de todos os encaminhamentos equivocados, de todas as besteiras e desfaçatezes que ela tenha cometido à frente do cargo maior do Poder Executivo da República do Brasil. No entanto, não dá para disfarçar o fato de que o julgamento e a sentença para a primeira mulher presidente no país são muito mais impiedosos do que seria para um homem no mesmo posto e situação. Mais que isso: o julgamento e sentença são presididos pela Santa Inquisição Masculina, à qual a maior parte da população se submete, emocionalmente conduzida. O chamado "coro popular" é formado por vozes de homens que defendem seus lugares de mando e vozes de mulheres submissas, embora se creiam senhoras de seus destinos.

Que a Presidente da República seja chamada à razão, sim! Que cada segmento da sociedade brasileira assuma sua parcela de responsabilidade no tocante ao momento crítico pelo qual passamos neste momento, sim! Que assumamos, cada brasileiro, a responsabilidade pela nossa omissão, pelo nosso quinhão (por menor que seja) de participação na mentalidade corrupta que grassa, sim!

Definitivamente, eu não sairei às ruas neste 16 de agosto de 2015, nem no dia 20, nem atenderei qualquer outro chamamento para conduzir a bruxa à fogueira! Não tomo parte de qualquer prática persecutória, discriminatória. Não me coloco no lugar de nenhum juiz do tribunal da Inquisição. De meu gesto não resultará nenhuma bruxa na fogueira.









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