p/ Ruth
Na rodoviária, uma fila interminável para comprar passagens,
três dias antes do Natal. Uma senhora, à minha frente, observa as filhas que
inventam um modo de brincar enquanto o tempo não passa, e a fila não anda... A
mais velha faz bolhas de sabão com um pequeno aparelhinho, provavelmente
comprado numa loja de bugigangas baratas, enquanto a mais nova se diverte
estourando as bolhas recém-sopradas. De modo muito sutil, a velocidade aumenta:
no ritmo da mais velha produzindo as bolhas, e no gesto nervoso da mais nova em
estourá-las, e rir ao fazê-lo. Por vezes, tal a sua afoiteza, ela estoura as
bolhas antes de se despregarem do aparelho, nas mãos da irmã.
Passa o tempo, a brincadeira ganha certo tempero estressante.
A irmã mais velha tenta ludibriar a menor, que não se cansa de estourar as
bolhas. É vitoriosa. A mãe sorri. Sente-se aliviada, por vezes, quando a fila
se move um pouco.
Lembro-me de quando, criança, eu brincava fazendo bolhas de
sabão. Ensaboava as próprias mãos, com um pouco de água, e soprava no vão
deixado pela meia curva de cada uma. Precisava saber dosar a água e o sabão. Conforme
a abertura das mãos, a bola poderia ser maior, ou menor. E me emocionava quando
elas se demoravam passeando sua transparência por longo percurso, até se
esbarrar nalgum galho de árvore, ou tronco, ou folha, e reduzir-se a gotas de
água ensaboada respingadas no chão.
Observo a menor, e penso que habitamos extremos opostos no
exercício das bolhas de sabão. Eu me sentia feliz quando se prolongava sua
existência frágil e delicadamente bela. Ela se realiza destruindo-as. Eu, de
alguma forma, exercia o controle técnico de sua produção: quantidade de água e
sabão nas mãos, o gesto para a produção da espuma, a posição das palmas e
dedos, a pressão do sopro e o gesto de interrupção, para que a bolha se
soltasse, e pudesse flutuar. A ela isso tudo não importa: tem as bolhas
prontas, disponíveis para o mero gesto que resultará no seu estouro. E no estouro da
próxima, e outra, incontáveis vezes...
Não será assim que vivemos, em meio aos rituais de consumo
em que quotidianamente nos encontramos imersos? Não estamos todos, afinal, estourando
bolhas de sabão, na expectativa da próxima, e de outras, quantas forem, não
importando como, onde em que condições tenham sido produzidas?
Viva o espírito do Natal!
Delicado e lindo,esse!... FELIZ NATAL,EM FAMÍLIA E EM PAZ ABENÇOADA !...
ResponderExcluir