sábado, 22 de março de 2014

um ranchinho para ser feliz


para David, meu pai,
que me levava para ver o barbacuá


Havia um erval nativo próximo de nossa casa. Por isso, na época certa, meu pai contratava um grupo para fabricar erva-mate. Eles acampavam no meio do mato. Ali, montavam o barbacuá, que era uma geringonça enorme, feita com taquara e cipó, para sustentar as folhas de erva suspensas, com um fogo morno por baixo, fumegando, fumegando, enquanto elas iam secando. Era preciso montar um plantão entre os trabalhadores, para não deixar o fogo morrer, nem ficar muito forte, e também para ir revirando as folhas, mudando as de baixo para cima, e as de cima para baixo. Assim, todas as folhas secavam por igual, e nenhuma corria o risco de azedar, na umidade quente que ficava lá bem no meio do amontoado. Também nenhuma acabava queimada, por ficar muito tempo exposta ao calor direto, nas camadas mais baixas.

Entre montar o acampamento, o barbacuá, cortar as folhas, secar e, depois de tudo pronto, colocar nos caixotes de madeira, era faina que durava p'rá lá de mês.

Por vezes meu pai me levava para ver o barbacuá.

Além da enorme estrutura fumegante, parecendo um estranho bicho no meio do mato, o que me fascinava era o rancho onde os homens ficavam instalados. Montado com duas forquilhas alinhadas, uma viga apoiada nas duas, a cobertura estendendo-se até o chão, onde encontrava uma tora de madeira de cada lado, formava um triângulo de capim. Parecia que, em lugar de construírem a casa, fizeram só o teto, e ele ficou ali, apoiado no chão, bastando para ser habitado. Sob seu abrigo, ficavam as quinquilharias de cada um, o pelego sobre o qual dormiam, e algumas ferramentas. Do lado de fora, sobre outro tronco, os poucos utensílios de cozinha, um fogão improvisado com pedras e terra, para o preparo do alimento, pouco, de todo dia, e para o chimarrão. 

Ao fim das contas, é preciso muito pouco para garantir a vida... Vivemos, mesmo, é às voltas com o que há a mais, os excessos. Mas isso é já outra história...

Eu voltava para casa, sonhando em viver num lugar como aquele. Sem dúvida, a felicidade habita essas moradas. Nem sempre as outras, altivas e sofisticadas. Ainda hoje, lembro dos ranchos montados pelos ervateiros, e tenho certeza de que a brisa a soprar o capim de sua cobertura sussurrava o segredo de ser feliz.



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