Na casa de minha infância, não havia celebração específica para o Natal. Era um feriado entre os tantos do calendário anual, marcado pelo fato de que os meus irmãos, quase sempre, retornavam, em férias, para passar alguns dias – poucos – conosco. Talvez o mistério que envolvia o lugar desconhecido de onde vinham impregnasse mais o meu imaginário, ao final do ano, do que propriamente a ideia do Natal ou do Ano Novo.
Nesses dois dias, era suspensa uma parte dos trabalhos de rotina. Mas havia outra parte que não se podia interromper, o que incluía os cuidados com os animais e as plantas. A vida seguia rotineira, portanto, apenas levemente tingida por uma ênfase um pouco maior no sentido de fraternidade e solidariedade que deveria nos ligar aos demais seres viventes.
Nesses dois dias, era suspensa uma parte dos trabalhos de rotina. Mas havia outra parte que não se podia interromper, o que incluía os cuidados com os animais e as plantas. A vida seguia rotineira, portanto, apenas levemente tingida por uma ênfase um pouco maior no sentido de fraternidade e solidariedade que deveria nos ligar aos demais seres viventes.
Numa dessas viagens de volta à casa materna, minha irmã – que sempre portava novidades da cidade grande – trouxe uma caixa cheia de enfeites delicados para fazer uma árvore de Natal. Eram bolinhas de vários tamanhos, algumas estrelas, e outros pequenos objetos coloridos. Todos feitos de um material mais fino do que casca de ovo, e tão facilmente quebrável, que era de se admirar que ela tivesse viajado com aquele pacote mais de mil quilômetros, de ônibus, sem ter quebrado nenhum.
Eu aprenderia, então, a fazer uma Árvore de Natal. Escolhemos um belo galho seco de goiabeira, e o fixamos numa vasilha preenchida com pedras, que posteriormente minha mãe envolveu com uma cartolina pintada com tinta prateada. A mesma tinta com que cobrimos, cuidadosamente, cada segmento do galho seco, do caule mais grosso, às terminações mais finas. Depois começamos a dependurar os enfeites trazidos pela minha irmã. Juntei a eles, minha coleção de cascas de cigarras, que eu recolhera na última primavera, quando elas despertaram do subsolo, subindo aos troncos das árvores para deixarem os casulos, e conquistarem o espaço com seus trinados. Lembrei-me, também, de algumas pequenas bromélias secas que eu trouxera da mata, e de barbas-de-pau, e outras flores secas que foram sendo distribuídas pela árvore.
Acho mesmo que essa Árvore de Natal nunca foi declarada pronta, pois íamos encontrando coisas, e inventando outras para enfeitá-la, ao longo do tempo. Ela nunca foi desmontada, durante todos os anos da minha infância, e parte da minha adolescência. Estava sempre lá, no canto da sala, com espaço para abrigar mais algum objeto, ou flor, ou galho, ou qualquer outro item que nos ocorresse acrescentar-lhe.
Ela abrigava, também, outras formas de interações, por assim dizer. De uma feita, o gato entrou na sala, e encantou-se com todos os gatos que enxergou, um em cada bolinha dependurada na árvore. Deu um leve tapinha em uma delas, que balançou. Gostou de mexer com outra próxima, para, ao final, pular na árvore, tentando espantar os novos concorrentes que lhe apareciam. A árvore caiu-lhe por cima. Muitas bolinhas se quebraram, e ele saiu correndo dali, assustado. Mas a árvore parecia já ter vida própria: retornada à sua posição original, rapidamente se cobriu com outros pequenos objetos, e já não se sentia falta do que se houvesse perdido no incidente com o gato.
Depois que eu também segui para estudar distante dali, e meu pai partiu, deixando-nos, e minha mãe veio juntar-se às filhas, a casa de minha infância ficou guardada por outras mãos, e a Árvore se perdeu, nem sei em que circunstâncias...
Mas é como se ela tivesse sido plantada no próprio sentido de Natal que pulsa em mim, e passa longe das correrias de compras, das excitações em função dos festejos, roupas, viagens, estradas concorridas, rodoviárias e aeroportos lotados...
Basta-me uma bromélia em flor, o trinado dalguma cigarra temporona, um casal de curucacas cruzando o céu entre a cidade e o campo, uma pausa para recobrar o fôlego, um abraço fraterno, o calor de um afago, para reencontrar o sentido mais humano do viver...
lindo por demais.
ResponderExcluirQuerida Alice, suas lembranças fizeram brotar as minhas que, em torno de um galho de jabuticabeira florescem em cores e cheiros de um Natal de antes, tão simples e aconchegante que faz a saudade apertar.
ResponderExcluirLindo texto!
Wolney querido, é verdade! Bom mesmo é encontrar pessoas com quem compartilhar memórias de simplicidade e aconchego. Um abraço carinhoso!
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