terça-feira, 26 de agosto de 2025

Livros pássaros que também são livros travesseiros


No domingo, deixei o primeiro grupo de livros na Praça Universitária, dentro do projeto Livros Pássaros. Só retornei lá hoje, dois dias depois, para buscar rastros do que pudesse ter ocorrido desde então, e deixar o segundo grupo de livros.

No banco onde deixei um pequeno totem de livros, um morador de rua estava dormindo. Quando me aproximei, percebi que ele usava quatro livros para apoiar a cabeça. Sorri. Comecei a organizar os livros no canteiro onde ficam os totens feitos com pedaços de tijolo e cimento. Estavam todos derrubados. Montei quatro grupos de livros, e apoiei um pequeno pedaço de cimento sobre cada um, para proteger do vento.

Outro morador de rua, curioso, me perguntou sobre os livros. Respondi que eram para quem gostasse de ler. Você gosta de ler? Que sim, respondeu. Olhou, de longe, e seguiu. O rapaz que dormia no banco espreguiçou-se. Sem pressa, levantou-se, pegou sua mochila e foi embora. Fui verificar quais eram os quatro livros deixados no banco. Só então percebi que havia, no chão, alguns dos bilhetes que deixei dentro dos livros.

Fui me distanciando. Um rapaz sentou-se no banco, olhou os livros, depois seguiu na direção oposta à minha.

Seguimos todos: eu, o rapaz, os moradores de rua, os livros... quem sabe dos nossos destinos?












domingo, 24 de agosto de 2025

Livros pássaros




Comecei a executar o projeto Livros Pássaros. A bem da verdade, no último período da seca, eu já havia iniciado, mas de forma precária, sem sistematização. Eu apenas deixei alguns livros numa praça, sem mensagem, sem voltar depois para saber se teriam alçado voos ou não. 

Do que se trata? Minha casa é habitada por muitos livros. A maior parte dos quais, depois de terem sido lidos, depois de terem integrado pesquisas diversas, já não são usados. Os temas de pesquisa mudaram. Os referenciais teóricos também. As interlocuções passaram a reivindicar outros pontos de vista. Por isso, decidi libertar esses livros das gaiolas de armários e prateleiras, onde ficam, hibernados, sem encontrar com quem conversar.

Na Praça Honestino Guimarães, popularmente conhecida como Praça Universitária, há um bom tempo, um senhor organiza pequenos totens de pedra, pedaços de tijolos ou cimento. Os totens se encontram em toda a extensão da praça, debaixo de árvores, nos canteiros, ao lado das esculturas de artistas reconhecidos. De aparência frágil, muitas pessoas passam, desmontando os totens. Mas, no dia seguinte, eles estão lá, reconstituídos, ocupando outros espaços. Se a estrutura dos totens é frágil, podendo ser facilmente desmontada, a capacidade de reconstrução demonstrada pelo senhor que os organiza é enorme, bem como a força sutil que o move nesse projeto.

Decidi, então, dialogar com os totens de cimento, construindo totens com os livros nas mesmas áreas por eles ocupadas. Dentro de cada um dos livros, deixo uma mensagem para quem os venha a encontrar:



Quando terminei de organizar o segundo grupo de livros, na praça, e fui me afastando, uma jovem passou por perto, diminuiu o passo, ficou olhando. Depois seguiu. Perguntei se ela tinha se interessado pelos livros. De longe, respondeu que tinha achado curioso. Falei que ela poderia olhar e tomar algum que lhe interessasse, se quisesse. Ela voltou, olhou os livros enquanto conversamos. Tinha interesse por livros de literatura. Eu não tinha deixado nenhum, nessa leva. Prometi que, no próximo grupo, levaria alguns de literatura. Contou que é estudante de medicina, que passa por ali todos os dias. Disse também que já viu o senhor organizando os totens de tijolos, mas nunca lhe ocorreu conversar com ele. Da próxima vez, vai conversar.

Seguimos, cada uma, nossos caminhos. Os livros pássaros já começaram a produzir efeitos. Que sigam livres em seus voos.