sábado, 24 de abril de 2021

O sapo


Quem venha das bandas do poente caminha pouco mais que meia légua depois da ponte, e já se depara com a entrada para a casa da minha tia, numa curva da estrada. Ali, ela vive com o marido, as plantas e os animais domésticos. E outros que se agregam às instalações residenciais, sem necessariamente terem sido convidados, por assim dizer.

Tem já algum tempo, ela começou a se deparar com o aumento da população de sapos. Quando menos espera, tropeça num. Uns mirrados, outros bem grandes... Sapo é bicho que não se pode matar. Toda vez que encontra um, com todo o cuidado, ela coloca o animal num saco, e o deixa no outro lado do rio. 

Andava cansada de tanto atravessar o rio para levá-los à outra margem. Coisa trabalhosa. Também começou a ter dúvidas a respeito da quantidade efetiva de sapos, especialmente os maiores. Por isso, resolveu tomar uma providência. Munida com um vidro de esmalte vermelho, pegou um dos sapos, dos grandes, e pintou-lhe as unhas. O bicho, imobilizado dentro do saco, não teve como escapar. Ela ainda esperou, pacientemente, até ter certeza de que a tinta estava seca, antes de deixá-lo, como de rotina, do outro lado do rio. Voltou para casa, entre expectativas.

Não demorou nem uma semana, e ela já pôde fazer a verificação de que precisava: lá estava o sapo, nas cercanias da casa, senhor de si e das unhas pintadas com seu esmalte vermelho. Havia outros. Mas aquele, especificamente, passou a ser referência para ela. 

É de se supor, também, que ela tenha sido adotada pelo sapo, e não o contrário. Talvez fosse ele quem andasse às voltas, tentando entender as motivações dela para leva-lo, tão insistentemente, para o outro lado do rio...




Um comentário:

  1. Achei seu blog depois de eu ter sido guiado pela curiosidade madrugal de saber que filósofo havia dito que a moral tem critério estético. E agora me peguei degustando alguns escritos como esse.

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