p/ Seu Manoel Loreno, in memoriam
Desde então, passaram-se já pouco mais de 10 anos. Eu soube
de seu trabalho por meio das mídias. Algum noticiário de entretenimento
veiculou uma entrevista com ele, falando sobre seus filmes. Era um homem de
estatura pequena, olhos miúdos e atentos, uma expressão alegre, entusiasmado
com seus projetos. Tinha carisma, e era garantia de audiência.
Assim, quando esbocei meu projeto de pesquisa para
pós-doutoramento, incluí o trabalho do Seu Manoel Loreno entre aqueles que eu
gostaria de conhecer, para pensar outras vias de construção narrativa, fora dos
circuitos dominantes, fossem os comerciais, fossem os mais intelectualizados ou
artísticos. Seu trabalho figurou, no mapa, ao lado do trabalho do Seu José
Zagati, o catador de sucatas amante do cinema, em Taboão da Serra, do Seu Simião
Martiniano, o camelô do cinema de Jaboatão dos Guararapes e Recife, e de Afonso
Brazza, o Rambo do cerrado, do Gama, no Distrito Federal, este já falecido no
início dos anos 2000.
O primeiro contato com Seu Manoel Loreno foi por telefone.
Já não me lembro ao certo como eu o fiz, buscando informações na Prefeitura de
Mantenópolis, e outras informações conseguidas na internet. Encomendei-lhes
alguns filmes, que recebi pelo correio. Assim, quando fosse ao seu encontro, já
conheceria um pouco de sua produção. Em agosto de 2009, seguimos, eu e o Prof.
Bamberg, de avião até Vitória, no Espírito Santo. E de lá, continuamos, de
carro, até Mantenópolis, no extremo oeste do Estado.
Foi nosso primeiro contato com ele, e com a comunidade
daquela cidade pequenina, acolhedora, cenário de seus filmes, fonte de
inspiração para suas histórias. Durante os dias em que estivemos ali,
conhecemos alguns sítios onde foram gravadas cenas de seu último filme, O homem
sem lei, de 2006. Conhecemos, também, o documentário O Sonho de Loreno, de
Alana Rosa Batista Almondes, que foi responsável por dar a conhecer o trabalho
de Seu Manoel aos meios de comunicação.
Os professores Aluísio e Clébio, à época ligados à
Secretaria de Cultura do município, foram incansáveis no sentido de criar as
condições para que tivéssemos acesso às informações, conhecêssemos as pessoas,
e, sobretudo, pudéssemos acompanhar o Seu Manoel, ouvindo suas histórias,
aprendendo com ele.
Dois anos depois, nós retornamos a Mantenópolis. Na ocasião,
queríamos acompanhar os trabalhos de gravação de seu novo filme. O título era
alguma coisa como: Um Manoelzinho é bom, dois é demais. E contava a história de
um Manoelzinho que se via às voltas com os problemas causados por um sósia, ou
um clone seu, que era mau caráter. Esse filme nunca foi finalizado. O professor
Clébio Saldanha já estava vinculado ao Museu Histórico de Mantenópolis, e
continuava buscando alternativas para assegurar suporte ao Seu Manoelzinho,
para lhe assegurar condições de continuar produzindo, e mostrando seus filmes à
comunidade.
Somos muito gratos ao professor Clébio por ter, no decurso
do tempo, nos enviado informações, vídeos, notícias sobre os caminhos de Seu
Manoel. Foi ele, também, que nos enviou, ontem, a notícia do falecimento do
nosso cineasta, este fazedor de filmes cuja produção marca um tempo, uma visão
de mundo, um modo de estar no mundo cuja potência é transformadora.
Há pesquisadores e profissionais da mídia que classificaram
seu trabalho como cinema de borda. Afora as discussões teóricas a respeito, peço
licença para discordar. O trabalho de Seu Manoel Loreno jamais foi de borda. Ao
contrário: ocupou o centro da produção cultural de Mantenópolis durante quantos
anos. Foi capaz de mobilizar sua comunidade, de levar filmes a territórios
desprezados pelas políticas públicas, pelos circuitos comerciais e pelos
projetos intelectualizados do cinema. O trabalho de Seu Manoelzinho teve a
potência que a maior parte dos trabalhos veiculados em festivais de cinema não
têm, embora tragam a chancela dos supostamente cinemas de centro porquanto
chancelados por autoridades da área: críticos de cinema e de arte, produtores,
professores, etc. Seu Manoelzinho passou ao largo disso tudo, para contar suas
histórias, para fomentar processos criativos junto à sua gente, a despeito da
precariedade de equipamentos e das condições de realização. Mais que isso: ele
fez da precariedade uma aliada, o ponto forte dos modos de operacionalização de
seu trabalho.
Que possamos aprender mais com pessoas como Seu Manoel
Loreno. Que trabalhos como o dele se multipliquem, em ramificações cada vez
mais potentes.
Sou grata pelo privilégio de tê-lo conhecido, e à sua
família, e aos seus amigos.
Com a vênia, Seu Manoelzinho: O dia em que matei o Mensalão e fui ao cinema
ELIANE BRUM
É FUNDADO O CINECLUBE “SR. MANOELZINHO” EM MANTENÓPOLIS/ES
O SONHO DE LORENO. Roteiro e Direção: Alana Rosa Batista Almondes
Achamos No Brasil: conheça o senhor que produz filmes no Espírito Santo
CATADORES DE SUCATA DA INDUSTRIA CULTURAL.
ALICE FÁTIMA MARTINS
Nenhum comentário:
Postar um comentário