terça-feira, 10 de abril de 2018

As razões para eu ter medo sentam-se ao meu lado



Do outro lado do corredor do ônibus, duas senhoras conversavam, durante a viagem. Uma delas falou que estava fazendo formação em reiki. Prestei atenção, pois já fiz essa formação e, durante muito tempo, apliquei reiki em muita gente. A outra perguntou o que era. Essa começou a ler, numa apostila alguma coisa como o reiki tem três níveis; um é das dores do corpo, nosso ego menor; outro é do nosso espírito; outro é do universo todo... mas isso foi uma leitura longa, quase interminável. A outra interrompeu: chega, está bem, já entendi, é uma seita. Eu ri. A estudante de reiki nem tinha explicado o que era, e já foi defendendo que não era uma seita, que era uma coisa muito boa, que era japonês, “é claro”, e mostrou símbolos diversos que estavam na apostila: infinito, estrela de seis pontas, palavras em japonês, etc.

Esta mesma contou que mora em Brasília, e pretende vender o apartamento para comprar uma casa no Plano Piloto, construir três quitinetes para alugar a “pessoas de bem”. Pensei: o que seriam pessoas de bem. Ofereceu logo para a outra, se quisesse, quando fosse a Brasília, para ficar numa das quitinetes que vai construir quando comprar a casa com o dinheiro do apartamento onde mora que ainda está pensando em vender... a outra aceitou, e passou o número do telefone, para acertarem o aluguel, quando estiverem prontas as quitinetes que vai construir quando comprar a casa com o dinheiro do apartamento onde mora que ainda está pensando em vender...

A inquilina, entre uma conversa e outra, contou que o filho trabalha com bitcoins. Pronto, a dona das quitinetes que ainda serão construídas animou-se, quer comprar bitcoins. Encontrou mais um motivo para confirmar o número do telefone da futura inquilina. Tinham, afinal, vários interesses em comum.

A dona das quitinetes que ainda serão construídas contou que a astrologia tem previsto uma grande mudança econômica, cujas características apontam para a revolução dos bitcoins, que ela insiste em pronunciar algo como bitcôn...

Estavam, ambas, preocupadas com as revoluções econômicas, e com o futuro da economia do país. Aí entraram no assunto do atual momento político brasileiro. A dona das quitinetes que ainda serão construídas explicou, com calma, que, com a vitória do candidato militar à Presidência da República, tudo ficará bem, pois ele tem os militares com ele, e os militares têm as armas e a determinação de defender as instituições. Acrescentou que os militares não vão deixar os políticos legislarem em causa própria, nem ficarem desviando todo o dinheiro para si. Senti um breve arrepio percorrer a pele. Ela prosseguiu: “E desta vez não vai ser como da outra vez. A gente não vai deixar eles matarem muita gente...” O arrepio transformou-se em calafrio subindo pela coluna vertebral.

Então, ela arrematou: “Agora, tem uns por aí que, se eu enxergar alguém dando tiro neles, eu faço de conta que não vi, não é nem comigo...”

Pessoas de bem... reiki... astrologia... bitcoins...

O medo abraçou o meu corpo. O ônibus seguia calmo pela estrada, mas eu olhava para o horizonte, à frente, receando não vislumbrar luzes no futuro ali desenhado...





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