Do outro lado do corredor do ônibus, duas senhoras
conversavam, durante a viagem. Uma delas falou que estava fazendo formação em
reiki. Prestei atenção, pois já fiz essa formação e, durante muito tempo,
apliquei reiki em muita gente. A outra perguntou o que era. Essa começou a ler,
numa apostila alguma coisa como o reiki tem três níveis; um é das dores do
corpo, nosso ego menor; outro é do nosso espírito; outro é do universo todo...
mas isso foi uma leitura longa, quase interminável. A outra interrompeu: chega,
está bem, já entendi, é uma seita. Eu ri. A estudante de reiki nem tinha
explicado o que era, e já foi defendendo que não era uma seita, que era uma
coisa muito boa, que era japonês, “é claro”, e mostrou símbolos diversos que
estavam na apostila: infinito, estrela de seis pontas, palavras em japonês,
etc.
Esta mesma contou que mora em Brasília, e pretende vender o
apartamento para comprar uma casa no Plano Piloto, construir três quitinetes
para alugar a “pessoas de bem”. Pensei: o que seriam pessoas de bem. Ofereceu logo
para a outra, se quisesse, quando fosse a Brasília, para ficar numa das
quitinetes que vai construir quando comprar a casa com o dinheiro do
apartamento onde mora que ainda está pensando em vender... a outra aceitou, e
passou o número do telefone, para acertarem o aluguel, quando estiverem prontas
as quitinetes que vai construir quando comprar a casa com o dinheiro do
apartamento onde mora que ainda está pensando em vender...
A inquilina, entre uma conversa e outra, contou que o filho
trabalha com bitcoins. Pronto, a dona das quitinetes que ainda serão construídas
animou-se, quer comprar bitcoins. Encontrou mais um motivo para confirmar o
número do telefone da futura inquilina. Tinham, afinal, vários interesses em
comum.
A dona das quitinetes que ainda serão construídas contou que
a astrologia tem previsto uma grande mudança econômica, cujas características
apontam para a revolução dos bitcoins, que ela insiste em pronunciar algo como
bitcôn...
Estavam, ambas, preocupadas com as revoluções econômicas, e
com o futuro da economia do país. Aí entraram no assunto do atual momento
político brasileiro. A dona das quitinetes que ainda serão construídas
explicou, com calma, que, com a vitória do candidato militar à Presidência da República, tudo ficará bem, pois ele
tem os militares com ele, e os militares têm as armas e a determinação de
defender as instituições. Acrescentou que os militares não vão deixar os políticos
legislarem em causa própria, nem ficarem desviando todo o dinheiro para si. Senti
um breve arrepio percorrer a pele. Ela prosseguiu: “E desta vez não vai ser
como da outra vez. A gente não vai deixar eles matarem muita gente...” O
arrepio transformou-se em calafrio subindo pela coluna vertebral.
Então, ela arrematou: “Agora, tem uns por aí que, se eu enxergar
alguém dando tiro neles, eu faço de conta que não vi, não é nem comigo...”
Pessoas de bem... reiki... astrologia... bitcoins...
O medo abraçou o meu corpo. O ônibus seguia calmo pela
estrada, mas eu olhava para o horizonte, à frente, receando não vislumbrar
luzes no futuro ali desenhado...
Nenhum comentário:
Postar um comentário