Fui comprar a passagem de
retorno. Muitas pessoas aguardavam, com apenas um guichê em funcionamento. Assumi
meu lugar na fila, e posicionei o guarda-chuvas verde atravessado debaixo do
braço esquerdo, apontando na direção da próxima pessoa que ficou logo atrás de
mim. Com o tempo, aprendi a usar dessa estratégia para lidar com a falta de
educação dos que vão avançando mesmo sem a fila ter caminhado. Principalmente homens,
que se acham no direito de ir chegando cada vez mais perto, a ponto de roçar
nas costas. O guarda-chuvas estabelece uma área de reserva. Sobretudo quando eu
faço o giro do corpo, e ele desenha um arco, ameaçando espetar quem tenha
adentrado esse território.
Mas nem todos entendem o
recado, e muitos ainda se dão por ofendidos e ameaçados com o estratagema. Foi o
que aconteceu naquele dia. Não demorou para que eu sentisse a ponta do
guarda-chuvas espetar a barriga do senhor que estava logo atrás de mim. Mantive
a calma, e torci para que ele, a partir dali, mantivesse a distância mínima. Mas
ele desviou um pouco mais à esquerda, e avançou. Então eu girei o guarda-chuvas
mais à esquerda, e senti que o espetei novamente. Ele contornou à direita, e
manteve o avanço. Girei o corpo, e o guarda-chuvas novamente o alcançou. Então ele
reagiu, advertindo que eu tivesse mais cuidado com aquele guarda-chuvas. Foi a
deixa para eu lhe dar a resposta já ensaiada e usada em quantas situações
anteriores: O senhor é que deve manter distância.
O guarda-chuvas está aí exatamente para que o senhor não se aproxime mais do
que isso. Portanto, se não quer ser espetado, recue. Ele reagiu, fazendo-se
de ofendido. Já com a voz impostada, reverberando em toda a fila, determinei: O senhor, por favor, recue! Mantenha
distância!
Algumas pessoas da fila
olharam. O senhor recuou. Eu voltei à minha posição inicial. Uma senhora logo à
minha frente, depois de alguns instantes, olhou-me discretamente e, com um
sorriso, falou: Gostei de ver. Trocamos
algumas palavras. Eu lhe contei que sempre uso o guarda-chuvas como estratégia
de defesa.
Mais tarde, cruzou comigo
novamente, no saguão da rodoviária. Desejou-me um bom ano. E recomendou: Continue a usar o guarda-chuvas! Continuarei,
sim!
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