sábado, 18 de junho de 2016

De censuras e outros medos


Corria o ano de 1987. Já se vão quase 30 anos. Eu estava montando o espetáculo Estórias da Carochinha, que resultou do ajuntado de exercícios cênicos de estudantes adolescentes, matriculados na escola de ensino médio da rede pública, onde eu trabalhava. O texto, divertido e debochado, misturava personagens das histórias infantis clássicas, modificava-lhes as identidades, atualizava os diálogos e discussões. O Lobo era gay, a Rapunzel era interpretada por uma travesti, o gênio da lâmpada era uma menina chamada Eugênia que estava em greve por melhores salários, a lâmpada era uma chaleira, a Cinderela e a Branca de Neve foram transformadas em personagens masculinos, e havia uma noiva que procurava, durante todo o espetáculo, o noivo desaparecido, até que, ao final, decidia se livrar do vestido branco e cair na festa.

No elenco, quase 20 adolescentes entusiasmados que vinham, de ônibus, desde a periferia da capital federal até o Plano Piloto, para atuar no palco do Teatro Garagem.

Na antevéspera da estreia, fizemos a apresentação para os censores. Sim, em 1987, ainda estava em vigência a estrutura de censura, e qualquer espetáculo não podia estrear sem ter a apresentação prévia para receber a autorização documental assinada pelos censores.

Nosso espetáculo recebeu a autorização com um pequeno corte. Proibia a fala da Fada Madrinha, no breve diálogo com o Cinderelo, quando reclamavam da carestia de tudo e atribuíam a responsabilidade ao governo e sua incompetência. Fomos censurados. (Talvez eu devesse inserir esse fato no meu currículum vitae...). Mesmo com a proibição, assumimos correr o risco, e mantivemos a fala. Éramos adolescentes, afinal.

A temporada de duas semanas foi um sucesso. Voltamos a apresentar o espetáculo em outros espaços.

Para amanhecer hoje, sonhei que meu livro, Brevidades, não tinha sido impresso em razão de um poema que fazia referência à revolução e a mentiras. No sonho, reagi indignada, denunciando a volta da censura política, e do sistema de repressão covarde e amedrontador.

Ao acordar, pensei que as gerações com 30 anos ou menos não têm a menor ideia do que seja isso. Tenho receios...





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