Corria o ano de 1987. Já se vão quase 30 anos. Eu estava
montando o espetáculo Estórias da Carochinha, que resultou do ajuntado de
exercícios cênicos de estudantes adolescentes, matriculados na escola de ensino
médio da rede pública, onde eu trabalhava. O texto, divertido e debochado,
misturava personagens das histórias infantis clássicas, modificava-lhes as
identidades, atualizava os diálogos e discussões. O Lobo era gay, a Rapunzel
era interpretada por uma travesti, o gênio da lâmpada era uma menina chamada
Eugênia que estava em greve por melhores salários, a lâmpada era uma chaleira, a Cinderela e a Branca de Neve foram transformadas
em personagens masculinos, e havia uma noiva que procurava, durante todo o
espetáculo, o noivo desaparecido, até que, ao final, decidia se livrar do
vestido branco e cair na festa.
No elenco, quase 20 adolescentes entusiasmados que vinham, de ônibus,
desde a periferia da capital federal até o Plano Piloto, para atuar no palco do
Teatro Garagem.
Na antevéspera da estreia, fizemos a apresentação para os
censores. Sim, em 1987, ainda estava em vigência a estrutura de censura, e qualquer espetáculo não podia estrear sem ter a apresentação prévia para receber a autorização documental assinada pelos
censores.
Nosso espetáculo recebeu a autorização com um pequeno corte. Proibia a fala da Fada
Madrinha, no breve diálogo com o Cinderelo, quando reclamavam da carestia de
tudo e atribuíam a responsabilidade ao governo e sua incompetência. Fomos
censurados. (Talvez eu devesse inserir esse fato no meu currículum vitae...). Mesmo com a proibição, assumimos correr
o risco, e mantivemos a fala. Éramos adolescentes, afinal.
A temporada de duas semanas foi um sucesso. Voltamos a apresentar o espetáculo em outros espaços.
Para amanhecer hoje, sonhei que meu livro, Brevidades, não
tinha sido impresso em razão de um poema que fazia referência à revolução e a
mentiras. No sonho, reagi indignada, denunciando a volta da censura política, e
do sistema de repressão covarde e amedrontador.
Ao acordar, pensei que as gerações com 30 anos ou menos não
têm a menor ideia do que seja isso. Tenho receios...
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