quinta-feira, 10 de março de 2016

Sobre inutilidades e também sobre apagamentos de vozes femininas...


Recebi, hoje, o livro A utilidade do inútil, um manifesto, de Nuccio Ordine, lançado em 2016, pela Editora Zahar. Fiquei feliz com o pequeno livro entre os dedos.

Quando o encomendei, movia-me a lembrança de quando decidi fazer aulas de esperanto, e alguém me questionou qual a utilidade. Entre risos respondi que era exatamente pela aparente falta de aplicabilidade instrumental que me interessava aprender aquela língua. Em outras palavras: entre tantas coisas úteis a que me via compulsoriamente empurrada, buscava uma coisa inútil para fazer. Talvez nem tanto... Ao fim, não consegui estudar todo o semestre, acabei abandonando as aulas. Meses depois soube que meu professor falecera. Esse é ainda um projeto a ser realizado. De alguma forma, comprar esse livro talvez fizesse parte do complemento à minha resposta sobre a possível inutilidade de estudar esperanto...

Sim. O livro traz uma compilação de pensadores desde Platão até os contemporâneos, em defesa da necessidade inquestionável de atividades inúteis para o crescimento da humanidade. Ou seja: mesmo em tempos de crise, não são só as atividades utilitárias, instrumentais que devem ser asseguradas. Uma lista infindável de atividades inúteis têm sido condição sem a qual a humanidade definha.

Mas confesso que fui impactada por um dado que me bateu à face, logo ao primeiro olhar: todos, absolutamente os autores reportados são homens. Nem uma voz feminina teria sido convocada para a defesa do inútil.

Estariam, todas, no decurso da história ocidental, muito ocupadas com atividades úteis, a ponto de não poderem nem usufruir do inútil, nem pensar sobre ele? Suas vozes teriam sido silenciadas, ou não ouvidas, em razão de que os papéis a elas atribuídos sejam, sobretudo, o de atender às necessidades de que se ressintam os homens, ou seja, cuidar do que seja útil, para que eles tenham condições de argumentar em favor do inútil?

Sim, é bem provável que a todos estes homens, e aos outros quantos não incluídos no manifesto, tenha sido possível dedicar-se à defesa das atividades inúteis, gastando tempo a toa nos espaços públicos, tão somente pelo fato de que mulheres estariam garantindo que as atividades úteis fossem executadas, e assim seu bem-estar estivesse assegurado... E como as atividades úteis não são inúteis, e portanto não são portadoras de glamour, sequer merecem registro na história, ou na filosofia... São apenas úteis... Fim.

Minha leitura desse livro será pautada por ponto de vista muito diverso do que supunha, a princípio. Cada página no papel de gramatura 80 vibrará com o impulso pela defesa do direito das mulheres de se ocuparem, também, das inutilidades e, mais que isso, falarem sobre, e terem suas vozes reverberadas.








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