terça-feira, 11 de junho de 2024

O professor quer dar aula... mas o que ensina o professor?

 

foto: Jossier Boleão

Naquela terça-feira, pela manhã, o professor iniciou o dia determinado a dar sua aula. Logo cedo dirigiu-se ao prédio de sua faculdade, que não ficava muito longe, mas também não muito perto de sua casa. No dia anterior, tinha enviado mensagem eletrônica aos alunos de sua disciplina, confirmando as atividades do dia. Estava certo de que estariam esperando por ele (a propósito, era um professor movido por muitas certezas!).

Contudo o movimento grevista discente ainda estava em curso. Os estudantes da universidade vinham assumindo posições cada vez mais consistentes e coerentes em suas reivindicações e na crítica feita tanto à gestão institucional quanto ao orçamento destinado às universidades federais. Em suas reivindicações, apontavam desde a falta de papel higiênico nos sanitários, à falta de segurança nos campi, vários problemas em relação ao refeitório, a redução no financiamento de bolsas para permanência de estudantes de renda inferior, até a necessidade de discussão sobre os ajustes do calendário acadêmico considerando as circunstâncias atuais da comunidade universitária.

O movimento grevista estudantil foi reconhecendo sua própria força, ganhando fôlego e visibilidade. Os estudantes aprenderam e ensinaram em sua mobilização. Na manhã daquela terça-feira, o comando de greve do movimento estudantil teria reunião com a reitora, finalmente, para as negociações.

Ao mesmo tempo, a greve dos servidores das áreas administrativa e técnica também tinha continuidade, com poucos avanços na negociação em âmbito federal. Apesar disso, a reitoria escolhera dar prosseguimento às atividades na universidade como se não se ressentisse da ausência desses servidores. Em contrapartida, os estudantes, fortalecidos em suas relações de pertencimento, reforçavam tanto a importância da greve quanto a importância das funções institucionais por eles exercidas.

Mas o professor não abria mão de sua missão: dar aula. A greve dos docentes fora encerrada e ele estava determinado a dar prosseguimento aos conteúdos de sua disciplina. Chegando à faculdade, contudo, encontrou todas as salas fechadas, bloqueadas com cadeiras, painéis, armários e toda sorte de mobiliário. Os alunos o aguardavam, no corredor, temerosos de serem prejudicados com faltas ou avaliações caso não comparecessem. Cioso de seu exercício docente, ele os conclamou para ajudarem a liberar o acesso, desfazendo o bloqueio montado pelo comando de greve do movimento estudantil. Assim, retiraram as cadeiras, o armário, o painel. Ele abriu a sala e todos se acomodaram nas carteiras reorganizadas. O professor começou a aula abordando conteúdos imprescindíveis à formação daqueles estudantes, tinha certeza disso. Sentia-se forte, o professor, fortalecidas suas convicções. Os estudantes aprendiam com ele.

Aprendiam o quê? O que aprendiam, com ele, de modo que não esqueceriam, que passariam a compartilhar, como convicção? Aprendiam o conteúdo desenvolvido durante aquela aula? Provavelmente sim, mas com alguma chance de, pouco tempo depois, dele já terem se esquecido. Por outro lado, não se esqueceriam, porquanto teriam incorporado a aprendizagem, os ensinamentos sobre um posicionamento que minimiza, ou desconsidera, ou mesmo confronta o pertencimento a uma categoria em mobilização política, o pertencimento a um movimento de estudantes que questiona, que levanta sua voz para perguntar sobre as condições políticas e econômicas da educação e seus agentes, e sua comunidade como um todo.

Para aquele professor, a greve não passava de um ruído, uma perturbação momentânea, que logo passaria. Foi isso que seus estudantes aprenderam.