sexta-feira, 31 de maio de 2024

Estrelinhas lilases

 




 

Pouco tempo depois que eu cheguei a Goiânia, atuando como docente do ensino superior, ocorreu de uma pétrea cruzar meu caminho, assim, num repente.

Eu vinha caminhando desde o auditório da faculdade, em direção à rampa que me levaria às salas de aula, fazendo o percurso pelo jardim interno. Passei por um trecho sem calçada, que tinha um pouco de musgo seco, num tom de verde muito escuro. Naquele dia, o chão estava coberto por pequeninas estrelas lilases. A visão do lilás sobre o musgo verde escuro me tirou da rota. As estrelinhas ocupavam a área em grande número. Delicadas e leves, deixavam-se oscilar com a brisa. Fiquei ali, parada, observando-as. Depois percebi um caule não muito grosso que se retorcia, subindo pela parede de alvenaria. Fui seguindo seu desenho, até chegar ao último piso, de onde se derramava em cachos de flores, de onde elas se lançavam, em breves danças aéreas, até repousar sobre o chão aveludado do musgo verde escuro.

Se a experiência da ordem da aesthesis refere-se ao momento em que algo afeta os sentidos de tal forma que cause uma espécie de suspensão, por certo, ali, não foi outra a experiência que me tomou.

Segui meu percurso, sem tirar os olhos nem das estrelinhas no chão, nem dos cachos aéreos na altura do último piso, nem do caule retorcido elevando-se em aderência à parede de alvenaria.

Demorei um pouco para saber o nome daquela planta, que quase ninguém conhecia. Aliás, poucos lhe haviam dado atenção. Petrea volubilis, assim é chamada no meio científico. Mas é popularmente conhecida como viuvinha, ou flor de São Miguel, dentre outros nomes.

Comecei a imaginar a possibilidade de ter um exemplar dela na varanda do apartamento. Embora soubesse que ela é uma planta de sol pleno, e numa varanda o tempo de contato direto com a luz solar é pequeno, resolvi tentar. Comprada a muda, acomodei-a num vaso que considerei de tamanho razoável. Ela cresceu, e não demorou para me presentear com as estrelinhas. Mais que isso, entre os galhos secos emaranhados, uma rolinha veio fazer seu ninho, há coisa de 4 anos. Desde então, muitos filhotinhos já nasceram ali, ensaiando seus primeiros voos entre as folhas da petrea.

Sem o sol pleno, as flores são ligeiramente mais claras e os cachos não têm tantas flores. Ainda e assim, o chão se cobre das pequenas estrelas e meu coração de alegrias.

Em tempo: quando uma florzinha cai, do caule fica uma gotícula, como uma lágrima. Talvez por isso ela também seja conhecida como viuvinha...