Inicialmente, pensei em nomear este conjunto de pequenas
histórias de que fui testemunha ou de que tomei parte com o título “GRU: um
labirinto para o inferno”. Depois recuei. Talvez, contaminada pela irritação da
experiência ainda em quente, eu estivesse pesando nas tintas, e sendo injusta. Ainda
não estou certa. Os leitores ajudarão a avaliar.
Embarques
e conexões I
Maior que meu bairro...
Ainda em Brasília, orientei a mocinha quanto ao lugar de
embarque para o voo que era o mesmo meu. Seguíamos para São Paulo ainda na
madrugada. Lá, cada qual buscaria sua própria conexão. Ela me pareceu um pouco preocupada.
Era sua primeira viagem internacional.
Depois do embarque, a perdi de vista. Já em Guarulhos,
passei na emigração, e fui buscar o portão de embarque. Constatei que seria
necessário seguir do terminal 2 para o 3. Longa caminhada. A mocinha
reapareceu, ao meu lado. Perguntou posso
ir com você? Estou meio perdida... Não era de se admirar.
Seguimos pela área interna, por um corredor cuja lateral dava para o
pátio onde as aeronaves estavam estacionadas, e havia intensa movimentação de
caminhões e outros veículos a serviço de embarques e desembarques. Uma neblina
densa impedia que avistássemos com nitidez a área. Mesmo assim, foi possível
identificar, ao longe, o terminal para o qual nos dirigíamos. A mocinha
suspirou: este aeroporto é maior que o
bairro onde eu moro. Achei graça. Perguntei qual era o bairro. Aparecida de Goiânia. Sorri. Havia mais
informações nessa fala do que as explicitadas. Entendi que ela escolhia
qualificar Aparecida de Goiânia como um bairro da capital de Goiás a ter que
explicar que era um município contíguo a Goiânia, uma espécie de dormitório. Sim,
havia algum risco de que Aparecida fosse menor que o aeroporto. Ao menos em
fluxos de pessoas, em montantes financeiros sendo negociados, entre outros
itens que poderiam ser enumerados.
Nossos portões eram os últimos do terminal 3. Eu embarcaria
no portão ao lado do dela. Ela suspirou: Agora
posso ir ao banheiro... Não voltei a vê-la.
Embarques
e conexões II
Siga
em frente!
De volta ao Brasil, depois de passar pela imigração, fui
orientada a retirar minha bagagem, para passar pelo Raio X, e devolvê-la na
área de conexão. Feitos os primeiros procedimentos, passei a buscar alguém que
pudesse me explicar onde era a área destinada à devolução. Siga em frente, era a única resposta que
ouvi em todas as ocasiões. Pouca sinalização, muitas entradas e saídas,
corredores labirínticos, e a palavra de ordem Siga em frente!
Depois de muito caminhar, pouco segura quanto ao roteiro
que eu estava seguindo, pedi que alguém me explicasse aonde eu deveria chegar,
em lugar de apenas apontar a direção. Siga
em frente continuou sendo a única resposta que ouvi. Finalmente me convenci
de que eu estava errada na minha reivindicação: ali, não cabia eu querer compreender alguma coisa, apenas
fazer o mínimo de ruído (num lugar traumaticamente ruidoso...) para chegar onde eu deveria chegar, sem criar problemas. É possível
que os funcionários repetidores da palavra de ordem Siga em frente tampouco soubessem onde estavam, para onde
seguiriam, como se desenhavam os labirintos que os devoravam dia a dia...
Cheguei, afinal, ao lugar. Depois fui orientada novamente a seguir
em frente, até encontrar o portão para o voo da minha conexão.
Seguir em frente é palavra de ordem que não se pode tomar ao pé da letra, ao mesmo tempo em que se segue em frente: volta-se à direita, à esquerda, cumpre-se 180º de giro, retoma-se a direção original, até não se saber mais onde se está, e para onde se vai...
Embarques
e conexões III
Os faltantes
Cheguei ao portão de embarque com algum tempo de
antecedência. Acomodei-me. Gosto de observar os movimentos, as sonoridades e luminosidades
do ambiente. Os ritmos. E fiquei ouvindo as chamadas para os embarques dos voos
que partiam, uns após os outros. As atendentes em terra chamavam,
alternadamente, em português e inglês, os passageiros, organizando o embarque
de acordo com as categorias: necessidades especiais, clientes vip, ocupantes
das poltronas localizadas na segunda metade da aeronave, por fim os ocupantes
das poltronas localizadas na primeira metade. Depois reiteravam a chamada aos
atrasados. Na última sequência de chamadas de cada voo, após ler todos os nomes completos dos passageiros ainda não embarcados, a palavra final era dada: Últimos faltantes, o embarque foi finalizado.
Chamou-me a atenção um fato: em todos os voos era
grande o número de faltantes que não comparecia ao portão de embarque em tempo.
Teriam seguido sempre em frente, na direção errada?
Teriam se perdido em mapas maiores e labirintos mais
emaranhados do que os seus bairros de origem?
Embarques
e conexões IV
Pesquisa de opinião
Uma senhora de idade estava sentada à minha frente. Uma mocinha
chegou, com uma planilha à mão, pedindo para fazer-lhe algumas perguntas. Tratava-se
de uma pesquisa de opinião. Queria saber idade, de onde vinha, para onde ia, a
companhia aérea, horário de voo, quanto tempo de espera. Queria que a usuária
avaliasse os serviços do aeroporto, sinalização, atendimento, orientação,
conforto, climatização, etc. Recostei-me, fechei os olhos, para não correr o
risco de que ela também quisesse dirigir as perguntas a mim. E fiquei ouvindo
as respostas da senhora, que manifestou-se encantada com tudo por ali:
sinalização de caminhos e portões de embarque maravilhosos, deslocamento e
distâncias sem problemas, orientações também... Comecei a ficar nervosa com
ela, sentindo vontade de discordar veementemente. Mas, já quase ao final da
entrevista, veio a revelação:
Como
a senhora chegou até aqui?
Um funcionário
da companhia aérea me trouxe, na cadeira de rodas... muito gentil, ele!
Ahhhh, então está tudo explicado...
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