literatices... letras para nada, talvez para tudo... imagens de nada, que podem ser de tudo... matutações... penseros... rabiscações... daquilo que vejo... ou não... porque tomo assento neste tempo quando a humanidade produz vertiginosamente letras, símbolos e imagens, em busca de sentidos, quaisquer que sejam... ou não...
sábado, 29 de março de 2014
quarta-feira, 26 de março de 2014
Kafka, Durkheim, o Estado, o Templo e o Labirinto
Precisava resolver duas questões na PF. Fiz o agendamento de
uma delas por meio do site. A outra, fiz a solicitação por telefone. Agendaram o
horário e o local, para onde me dirigi com um pouco de antecedência. Havia uma
fila, na recepção. Aguardei minha vez. Mesmo com horário agendado, preciso pegar
senha? A senhora vai fazer o quê? Expliquei. A moça disse A senhora precisa ir
naquele balcão, e mostrar os documentos necessários para aquele rapaz. Havia uma
segunda fila. Aguardei minha vez. O que a senhora vai fazer? Expliquei. Eu preciso
dos seus documentos, ele falou. Mostrei-lhe, todos. Ele reuniu, e me devolveu. Havia
certo poder no seu gesto. O rapazote gostava de exercê-lo. Entregou-me um papel quadradinho, pequeno, onde se
lia, escrito a mão: PF 15:55. Ainda está muito cedo. Quando for exatamente 15
horas e 55 minutos, a senhora volta naquele balcão para pegar a senha. Antes disso,
a senhora dá uma voltinha no shopping... Tinha um sorrizinho entre os lábios, enquanto pronunciava as instruções. O atendimento estava agendado para as
16h. Pensei, com meus botões, eu faço o que eu quiser com o tempo de espera! Mas agradeci. E saí dali. Fui a um terminal de autoatendimento bancário. Tentei caminhar
devagar. Retornei, faltando 15 minutos para as 15 horas e 55 minutos. Ainda estava
muito cedo. Coloquei-me a observar a movimentação labiríntica do
lugar. Um enxame de pessoas que entravam e saíam. Uma centena de guichês com
funcionários fazendo os mais diversos encaminhamentos: documentos pessoais,
multas, taxas, cobranças, quitações, polícia, bombeiro, fotografia digital,
seguro desemprego, emprego, papéis, papéis... Uns saíam preocupados. Outros mais perdidos do que quando entraram. Algumas pessoas saíam com um
punhado de documentos na mão. Tinham, nas feições, a expressão de alívio de
algum problema resolvido. Mas sairiam dali, e, por certo, logo encontrariam
outras questões para resolver.
O labirinto é assim: a gente se apruma num
corredor que parece claro e reto, mas por pouco tempo, logo já estamos perdidos
de novo.
Os que aguardavam, ficavam sentados, como numa igreja, de
olhos pregados em três letreiros eletrônicos com letras vermelhas que se deslocavam da direita para a esquerda. Os funcionários teimam em
chamar aquilo de os painéis. Ali, aparecem as abreviaturas dos lugares para onde cada um
pretende seguir, o número da senha, e o respectivo guichê disponível para o
atendimento. Todos, atentos, não podem despregar o olhar, pois basta uma
distração para perder a vez. No papelzinho da senha está escrito: a senha será descartada depois da terceira chamada não atendida.
Assim é o Estado, essa instituição da qual tomamos parte,
sem termos solicitado ingresso, e sem termos a opção de sair dele. Penso na atualidade da obra de Franz Kafka. Sinto vontade de reler O Processo. Sinto vontade é de ler O Processo
em voz alta, dando voltas por aquele lugar.
Lembro-me do meu horário. São 15 horas e 53 minutos. Sigo ao
balcão. Meio a contra-gosto, o rapaz gera a minha senha. Ainda não eram 15 horas e 55 minutos, conforme ele estabelecera. Teimosia, a minha! Provavelmente, a senha só seja gerada tão
próxima ao horário agendado para comprovar o pouco tempo de espera para o
atendimento nos dados estatísticos do governo. Leio o pequeno papel amarelo. Ali está impresso o código do que vou fazer, e o número 110. Integro-me
à massa que venera os 3 letreiros eletrônicos. Suas luzes vermelhas e o sinal
sonoro não repousam um segundo sequer. Passa algum tempo, e percebo que o
código da minha senha nunca é chamado. Estaria errada? Eu estaria venerando os letreiros errados? Mais algum tempo,
constato que já se passaram 10 minutos do meu horário agendado. Espero um pouco
mais, ainda, e então o tal código é chamado, seguido da senha de número 106. Isso
me informa que o atendimento está atrasado, e não há o que fazer, senão
esperar. Desisti de contar o tempo. Mas não posso desviar o olhar dos letreiros,
de onde os chamados jorram incessantemente. Enquanto isso, aguço os ouvidos para acompanhar as conversas à minha volta.
Um bom tempo depois, minha senha foi chamada. A policial que
me atendeu recomendou que eu trocasse minha carteira de identidade. Você está muito
novinha nela! Uma menina! Achei graça. Acho que envelheci... Perguntei aos meus botões se deveria me
sentir acabada, naquele momento. Talvez estivesse, mesmo. Mas ela foi gentil. Olhou
meus documentos, e mos devolveu, todos. Com um papel a mais. Era o protocolo para meu
retorno. Na sequência, outra policial me atendeu para a segunda questão. Foi gentil também.
Quando saí da área restrita, senti novamente o impacto da multidão de pessoas circulando
no hall central, e venerando os três letreiros eletrônicos.
Lembrei-me de Émile Durkheim. Para ele, entre o Estado e o
indivíduo social, é necessário haver várias instâncias que façam a mediação. Só assim
o indivíduo tem alguma chance de não sucumbir ao peso do Estado. As duas
policiais, de alguma forma, cumprem esse papel, lembrando, na sua forma de
atendimento, nossa humanidade. Mas é inevitável: o Estado ruge, eu posso ouvir,
todos ouvimos, enquanto nos batemos em seus labirintos, quase sempre impotentes e assustados,
por vezes até um pouco satisfeitos quando conseguimos regularizar algum documento, pagar
alguma dívida contraída à revelia, nos fazendo respeitar, cidadãos que somos,
ao menos por uma filigrana de tempo.
Saio dali. Para retornar na nova data marcada. Quando repetirei todos os rituais para a próxima senha, e
a devoção aos três letreiros de onde jorram incessantes chamamentos
por meio de códigos que só mesmo os iniciados sabem decifrar!
terça-feira, 25 de março de 2014
La Maldicion De Malinche (Gabino Palomares)
Del mar los vieron llegar
mis hermanos emplumados,
eran los hombres barbados
de la profecía esperada.
Se oyó la voz del monarca
de que el Dios había llegado
y les abrimos la puerta
por temor a lo ignorado.
Iban montados en bestias
como Demonios del mal,
iban con fuego en las manos
y cubiertos de metal.
Sólo el valor de unos cuantos
les opuso resistencia
y al mirar correr la sangre
se llenaron de vergüenza.
Por que los Dioses ni comen,
ni gozan con lo robado
y cuando nos dimos cuenta
ya todo estaba acabado.
Y en ese error entregamos
la grandeza del pasado,
y en ese error nos quedamos
trescientos años de esclavos.
Se nos quedó el maleficio
de brindar al extranjero
nuestra fé, nuestra cultura,
nuestro pan, nuestro dinero.
Y les seguimos cambiando
oro por cuentas de vidrio
y damos nuestra riqueza
por sus espejos con brillo.
Hoy en pleno siglo XX
nos siguen llegando rubios
y les abrimos la casa
y los llamamos amigos.
Pero si llega cansado
un indio de andar la sierra,
lo humillamos y lo vemos
como extraño por su tierra.
Tú, hipócrita que te muestras
humilde ante el extranjero
pero te vuelves soberbio
con tus hermanos del pueblo.
Oh, Maldición de Malinche,
enfermedad del presente
¿Cuándo dejarás mi tierra
cuando harás libre a mi gente?
domingo, 23 de março de 2014
Estórias abensonhadas (Mia Couto) – fragmentos
Enquanto remava um demorado
regresso, me vinham à lembrança as velhas palavras de meu velho avô: a água e o
tempo são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo ventre. E eu acabava de descobrir em
mim um rio que não haveria nunca de morrer. A esse rio volto agora a conduzir
meu filho, lhe ensinando a vislumbrar os bancos panos da outra margem. (p. 14)
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Toda a estória se quer
fingir verdade. Mas a palavra é um fumo, leve de mais para se prender na
vigente realidade. Toda a verdade aspira ser estória. Os factos sonham ser
palavra, perfumes fugindo do mundo. Se verá neste caso que só na mentira do
encantamento a verdade se casa à estória. O que aqui vou relatar se passou em
terra sossegada, dessa que recebe mais domingos que dias de semana. (p. 47)
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– Quem
está balançar: sou eu, é a cadeira ou é o mundo? (p.
67)
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Mas agora, no momento que
lhe escrevo, nem mais me apetece explicação. Quero desraciocinar. Em cada dia
não espero senão a noite, as brandas tempestades em que sou Joãotónio e Joanantónia,
masculina e feminino, nos braços viris de minha esposa. Por enquanto, mano,
ainda sou Joãotónio. Me vou despedindo, vagarinhoso, do meu verdadeiro nome.
(p. 103)
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Não sou homem de igreja. Não
creio e isso me dá uma tristeza. Porque, afinal, tenho em mim a religiosidade
exigível a qualquer crente. Sou religioso sem religião. Sofro, afinal, a doença
da poesia: sonho lugares em que nunca estive, acredito só no que não se pode
provar. E, mesmo seu eu hoje rezasse, não saberia o que pedir a Deus. Esse é o
meu medo: só os loucos não sabem o que pedir a Deus. Ou não se dará o caso de
Deus ter perdido fé nos homens? Enfim, meu gosto de visitar as igrejas vem
apenas da tranquilitude desse lugarinhos côncavos, cheios de sombras
sossegadas. Lá eu sei respirar. Fora fica o mundo e suas desacudidas misérias.
(p. 121)
sábado, 22 de março de 2014
um ranchinho para ser feliz
para David, meu pai,
que me levava para ver o barbacuá
Entre montar o acampamento, o barbacuá, cortar as folhas, secar e, depois de tudo pronto, colocar nos caixotes de madeira, era faina que durava p'rá lá de mês.
Por vezes meu pai me levava para ver o barbacuá.
Além da enorme estrutura fumegante, parecendo um estranho bicho no meio do mato, o que me fascinava era o rancho onde os homens ficavam instalados. Montado com duas forquilhas alinhadas, uma viga apoiada nas duas, a cobertura estendendo-se até o chão, onde encontrava uma tora de madeira de cada lado, formava um triângulo de capim. Parecia que, em lugar de construírem a casa, fizeram só o teto, e ele ficou ali, apoiado no chão, bastando para ser habitado. Sob seu abrigo, ficavam as quinquilharias de cada um, o pelego sobre o qual dormiam, e algumas ferramentas. Do lado de fora, sobre outro tronco, os poucos utensílios de cozinha, um fogão improvisado com pedras e terra, para o preparo do alimento, pouco, de todo dia, e para o chimarrão.
Ao fim das contas, é preciso muito pouco para garantir a vida... Vivemos, mesmo, é às voltas com o que há a mais, os excessos. Mas isso é já outra história...
Eu voltava para casa, sonhando em viver num lugar como aquele. Sem dúvida, a felicidade habita essas moradas. Nem sempre as outras, altivas e sofisticadas. Ainda hoje, lembro dos ranchos montados pelos ervateiros, e tenho certeza de que a brisa a soprar o capim de sua cobertura sussurrava o segredo de ser feliz.
quinta-feira, 20 de março de 2014
domingo, 9 de março de 2014
quinta-feira, 6 de março de 2014
segunda-feira, 3 de março de 2014
domingo, 2 de março de 2014
sábado, 1 de março de 2014
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